Na sexta-feira, 19 de novembro, ocorreu a outorga do título de doutor honoris causa póstumo a Luiz Gonzaga Pinto da Gama. A homenagem foi entregue a Walter França, filho do tetraneto de Gama, Benemar França, já falecido, e está ancorada na importância ao agraciado para a história recente do Brasil e em sua excelência enquanto personalidade intelectual, em cerimônia que contou com o reitor da Universidade de São Paulo, professor Vahan Agopyan.
Ao longo deste ano, foram diversas as homenagens ao abolicionista. Sua história de vida – exemplo “heroico” como símbolo de luta pela liberdade dos escravizados e escravizadas – marcou, por exemplo, o lançamento de suas obras completas em outubro último.
Para além da apresentação do trabalho desenvolvido pelo escritor e organizador do projeto, Bruno Rodrigues de Lima, a noite foi pautada por exposições inspiradas na direção de tentar formar um novo Brasil, em consonância com o tema.
Conforme destacaram os participantes do encontro online, Gama é uma inspiração pela excelência com que se dedicou à advocacia, mesmo não tendo sido reconhecido à época.
Nascido em Salvador (BA), foi vendido por seu pai a um contrabandista aos dez anos. Aos 17, completou seu processo de alfabetização e, no ano seguinte, fugiu do cativeiro. A partir daí, iniciou sua trajetória política e social. Portanto, defenderam os expositores, este abolicionista deve ser tido como exemplo, como inspiração para um mundo mais digno dos direitos humanos. Gama foi um rábula (advogado autodidata), abolicionista, orador, jornalista, escritor brasileiro e o Patrono da Abolição da Escravidão do Brasil. Dentre as diversas homenagens póstumas, recebeu em 2015 o título de advogado da Ordem dos Advogados do Brasil. E, neste ano de 2021, o título “Honoris Causa” da USP, bem como o filme recém-lançado “Doutor Gama” e, agora, a coletânea de suas obras.
Tem seu nome gravado em Sala da FDUSP, sendo o primeiro brasileiro negro a receber a honraria da instituição. Ou seja, como destacado, muito além de um símbolo de resistência, é um grande intelectual.
Enfrentador do debate público
Na abertura dos trabalhos, o diretor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, professor Floriano de Azevedo Marques Neto, acentuou que Luiz Gama é uma fonte de grande orgulho da Faculdade e, ao mesmo tempo, origem de algo que (de certa forma) entristece a instituição. “Uma instituição com quase 200 anos tem muitos fatos para se orgulhar e tantos outros não dignos, mas que não podem ser esquecidos. Que estes exemplos ruins, sirvam, portanto, para nos ensinar e para que não mais repitam”, disse. Marques Neto lembrou também da luta do homenageado como enfrentador do debate público – pela causa abolicionista –, “com uma pena precisa, uma oratória invejável e com grande coragem”.
Por sua fala, a presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, Letícia das Chagas, acentuou fazer parte da primeira turma de cotistas da FDUSP, relatando o que a identidade de resistência de Gama representa para todos alunos. “Luiz Gama foi responsável por se utilizar do Direito como instrumento para a libertação de nosso povo, contribuindo para o enfrentamento da escravidão no Brasil.” Ao falar da nomeação do abolicionista em uma das salas da São Francisco, acrescentou o trabalho feito pelo XI de Agosto para também nomear um dos locais da SanFran com o nome do Rubino de Oliveira, primeiro professor negro da instituição. “Que cada vez mais figuras negras possam fazer parte desse espaço de pensar o Direito e de pensar o Brasil”, afirmou.
Coordenador da Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama, Calixto Salomão Filho, citou Celso Furtado para destacar que a escravidão racial se perpetua através da estrutura econômica que permanece para perpetuar aquela situação de escravidão.
Lígia Fonseca Ferreira, professora da Unifesp, cuja tese de doutorado é sobre vida e obra de Luiz Gama, acentuou o tesouro guardado pela Faculdade de Direito da USP, que são os livros de Gama. “Conservarem essa relíquia.”
Organizador dos onze volumes em lançamento, Bruno Rodrigues de Lima, elencou parte do trabalho. Destacou uma das frases de Gama: “Quero que a Lei seja uma verdade respeitada no foro de Belém de Jundiaí e não um joguete pernicioso posto fortuitamente nas mãos da imbecilidade”. “Esse é o Luiz Gama, que em setembro de 1869 escreveu essa frase nas páginas do Correio Paulistano, um dos principais jornais que ele colaborou”, disse.
Para Alysson Mascaro, professor de Filosofia do Direito da FDUSP, Gama é um sintoma dos impedimentos e das estruturas de uma sociedade escravocrata. “Gama é primeiro a liberdade dos escravizados, depois a defesa da instituição. Quando o Direito recepciona Luiz Gama é preciso ter sensibilidade e ao mesmo tempo estar alerta pois Luiz Gama tem uma luta maior do que a do Direito”, diz.
O professor Gilberto Bercovici (DEF-FDUSP) destacou Luiz Gama como um batalhador da liberdade, que atuou na linha de frente, no combate do principal problema do país que é a escravidão, combateu o latifúndio, a oligarquia. “Gama é a Faculdade de Direito de São Francisco que poderia ter sido e ainda não foi. É a sociedade brasileira mais igualitária pela qual ele lutou, mas até agora não se realizou”, acrescentou.
A advogada Lazara Carvalho destacou herói abolicionista. “Algumas figuras são heroicas não apenas porque elas realizaram grandes feitos, mas porque cada uma de suas pequenas ações representou uma grandiosidade”, afirmou. E acrescentou: “Mais juristas como Gama são necessárias no nosso mundo contemporâneo”.