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Autocracia, corrosão democrática e cenário eleitoral pautam debate de juristas nas eleições

Texto e fotos: Kaco Bovi

 

Que país se projeta, quais as implicações no campo democrático e em qual pé a democracia estará após as eleições de 2022, que caminharam para o segundo turno no plano nacional e em vários Estados brasileiros. Algumas dessas interrogações, que estão fervilhando na cabeça dos brasileiros, em meio a um desgoverno e tantos desrespeitos à democracia e às leis eleitorais, foram debatidas na Faculdade de Direito da USP.

O Auditório Ruy Barbosa Nogueira recebeu, na manhã de segunda-feira (10/10), pensadores-juristas. Entre as direções, foram discutidas a separação dos Poderes, a ampliação (ainda que pequena) de mulheres no Legislativo, a relação com o Poder Judiciário, especialmente na direção de ameaças do atual governo de mexer na composição das Cortes Superiores, e outros tantos assuntos que estão a tomar o atual campo nacional.

Ainda nesse leque, mais um dilema foi posto pela professora Maria Paula Dallari Bucci, organizadora do evento em conjunto com o docente Floriano de Azevedo Marques Neto: “O que representa a consagração da politização quando algumas figuras que saíram do Sistema de Justiça agora estão assentadas no Senado e na Câmara Federal?

“Embora o Judiciário não seja eleito ele é impactado pelos eleitos”, acenou Pierpaolo Cruz Bottini, no primeiro bloco de discussões. Para ele, o sistema de Justiça é personagem importante nessas eleições e participa efetivamente com protagonismo. “Pelo menos, a partir do final dos anos 90, o Judiciário deixa de ser um poder meramente, que é levado a tratar de questões jurídica sobre constitucionalidade ou legalidade, e passa a ser arena final de debates políticos que deveriam ter seu lugar dentro do Parlamento”, diz. “Por conta desse protagonismo, o Sistema Judiciário passa a ser um personagem dessas eleições”, acrescentou.

Outra questão está no fato de o Executivo ter o poder de nomear ministros, desembargadores, com diversas indicações feitas pelo presidente da República, não somente no STF. “Ainda que parte dessas nomeações seja feita por meio de listas, esse é um poder muito grande”, adiciona.

Rogério Arantes (FFLCH) apresentou um panorama sobre as eleições em geral, com alguns gráficos e destacou o medo diante do cenário de continuidade, por conta do Bolsonarismo. Em relato da atual gestão, enfatizou que o presidente deixou de aproveitar o protagonismo de combate ao coronavírus. “Antes, preferiu o negacionismo científico, sanitário, político e colocou em dúvida sua própria condição humana”, acenou. Adiante, lembrou que, para brindar-se das ameaças de impeachment, rendeu-se ao Centrão.

O protagonismo no debate sobre o direito das mulheres ganhou atuação intensa dos movimentos feministas em prol da ampliação do número de mulheres nos espaços de poder. Conforme explica a professora Luciana Ramos (FGV), a questão ganhou relevância. “Simone Tebet fez disso uma bandeira relevante e trouxe propostas concretas relativas a essa temática”, disse.

 

Destruição democrática

Para o segundo bloco, Azevedo Marques levou algumas provocações aos palestrantes. Dentre as quais os períodos de turbulência a serem enfrentados em caso de vitória de um governo Lula ou em reeleição de Bolsonaro acelerar o processo de destruição democrática.

Para Sebastião Tojal, Direito do Estado da FDUSP, se a população olhar com atenção, de alguma maneira, já vinha se anunciando um absoluto descompasso entre meios e fins. “As coisas vêm se sucedendo”, diz. O docente observou a disputa de poder entre as próprias instituições quem podem levar a uma autofagia. Tratou ainda da espetacularização, com os efeitos da Lava-Jato.

O professor Gustavo Bambini (Each) fez uma relação sob o aspecto da composição do Legislativo, ressaltando o aumento de representantes do bolsonarismo. Ao apresentar os números acenou para o sentido da racionalidade.

 

Tempos de autocracia

Para Conrado Hubner é importante a sociedade tomar conhecimento do que é a autocracia. “A gente está caminhando para um futuro desconhecido. Essa terceira onda de autocratização no mundo demorou um pouco para chegar no Brasil”, disse. Acentuou o negacionismo e o risco que o Brasil vive de processo antidemocrático. “Há regimes que praticam autoritarismo eleitoral e a eleição de 2022 está profundamente contaminada por alguns elementos do autoritarismo.

Entre os detectores de autoritarismo eleitoral citou o medo da população se expressar e a integridade do processo. “Imaginando um segundo governo de Bolsonaro, podemos imaginar algumas coisas. Primeiro um amplo pacote de leis regressivas, conservadoras, autoritárias, que vão afetar a vida das mulheres, das crianças, da família, e da Educação”, advertiu.

Oscar Vilhena Vieira, diretor da FGV-Direito e professor de Direito Constitucional, acentuou o peso do momento dramático de medo institucional que carrega o Brasil e vários outros países. Conforme assinalou, no mundo, 71% da população vive em países autocráticos. “É um mundo hostil à democracia e a gente não pode perder de vista que essa eleição (brasileira) se dá nesse contexto de uma democracia que tem as suas enormes fragilidades.

Como lição, avisou que entre os enormes problemas que podem esbarrar o sentido de democracia pelas populações são as promessas feitas ao longo das campanhas e não cumpridas. Também relatou o desconforto do uso da máquina em prol dos candidatos que estão no poder. “Essa eleição é absolutamente assimétrica porque não temos partes iguais”.

Pôs em foco que uma das estratégias do populismo autoritário é a de normalizar a anormalidade. “Vemos as regras eleitorais sendo afrontadas, corrompidas, destroçadas”, acentua. “Eu temo, que se o Bolsonaro ganhar, teremos uma erosão muito rápida e incisiva dos mecanismos de freios e contrapesos. Haverá maioria para o impeachment de ministro do Supremo, por exemplo”, acrescentou.

 

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