Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP
O governo federal apresentou uma proposta de reforma da tributação da renda no Brasil (PL 2.337/21) no qual constam duas novidades: a extinção dos juros sobre o capital próprio, conhecido pela sigla de JCP, e a tributação dos dividendos em 20%. O texto recebeu um substitutivo apresentado pelo relator, deputado Censo Sabino (PSDB-PA), no qual estas duas incidências foram mantidas.
A justificativa é que isso permitirá que os lucros não sejam distribuídos e fortaleçam o caixa das empresas, que se capitalizarão. Será verdadeiro?
Os JCP decorrem de uma isonomia entre a remuneração do capital próprio e o de terceiros. Suponhamos que uma pessoa, física ou jurídica, tenha recursos disponíveis para investir. Se colocar esse dinheiro no mercado financeiro, receberá x% de juros; mas se colocar em uma empresa, quanto receberá? Eis o ponto: o pagamento de JCP estabelece que o investidor receberá juros pelo capital que aportar diretamente na empresa, tal qual receberia se investisse no mercado financeiro, com a característica de que tais juros equivalem a menor taxa existente no mercado, que é a TJLP, conforme estabelecidos por lei.
Para a empresa que tomou o capital emprestado, próprio ou de terceiros, o valor será abatido como despesa na contabilidade, e o investidor será remunerado pelo capital investido.
Nesse sentido, a extinção dos JCP não gerará nenhum fortalecimento do caixa, pois estimulará os investidores a irem ao mercado financeiro, onde os juros são maiores, e não haverá nenhuma remuneração pelo capital aportado diretamente nas empresas. Isso as obrigará a ir ao mercado financeiro para se capitalizar, a taxas de juro seguramente maiores que a TJLP anual, que em 2020 ficou em 4,87% ao ano. A intermediação financeira entre investidores e empresas aumentará fortemente, fragilizando as empresas ao invés de as fortalecer.
Por outro lado, a tributação dos dividendos apenas gerará maior arrecadação, sem que esses valores fiquem retidos nas empresas, pois quem aporta capital em uma empresa busca obter lucros, sem que eles fiquem indefinidamente retidos para reinvestimento. Logo, também esse argumento não se sustenta.
Trata-se de singelo aumento de arrecadação, o que se verifica através de uma conta básica. Pelo substitutivo a incidência do IRPJ será de 12,5%, que somado à CSLL de 9%, equivalerá a um total de 21,5% de tributação da renda na pessoa jurídica. Com a tributação dos dividendos em 20%, a carga tributária será de 41,5%.
O argumento de que uma coisa é a tributação da pessoa jurídica e outra é a da pessoa física se caracteriza como simples retórica, pois a renda é a mesma, seja auferida ou distribuída.
Em síntese: nestes dois tópicos a proposta de reforma apenas aumenta a carga tributária, ao invés de a reduzir, e o argumento de que isso fortalecerá as empresas não se sustenta à luz dos fatos. E contra os fatos não há argumento.