A fala do presidente Lula defendendo que os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal deveriam ser secretos repercutiu no mundo jurídico. O chefe do Poder-Executivo fez a observação após o ministro Cristiano Zanin (STF) virar alvo de ataques de apoiadores do governo por posicionamentos contrários a temas considerados progressistas.
Para o professor Vitor Rhein Schirato, Direito Administrativo FDUSP, o presidente Lula se ‘expressou mal’ e teve uma ‘declaração infeliz’. “Imagino que não tenha passado pela cabeça do presidente que a razão de decidir venha a ser um segredo, porque isso é absurdamente inconstitucional. A Constituição é expressa no sentido de que a fundamentação decisão judicial tem de ser motivada e pública. Não consigo imaginar que o presidente tenha dado a entender que o STF vai dizer constitucional ou inconstitucional, ‘porque, jamais saberás”, assinalou ao Estadão.
“Jamais a gente pode imaginar o motivo da decisão do STF não ser público. Se for mantido o sistema de voto, ele também não pode ser apócrifo. O que acho é que é muito ruim esse sistema de você votar olhando para a câmera de televisão da TV Justiça. O grande problema é esse”, acrescentou.
Na comparação com outras Cortes, com a Norte-Americana, por exemplo, os votos são formados por maioria ou por unanimidade e são de forma conjunta. Os ministros discutem a portas fechadas para chegar ao resultado final, a decisão é anunciada em nome de todo o Tribunal. Se o julgamento não for unânime, a Corte expõe a divergência.
Nesse sentido, professor Elival Ramos, Direito Constitucional FDUSP, pondera que o presidente identificou corretamente o problema, mas errou em atribuir a causa à identificação dos votos. No diagnóstico do docente, que se dedica a estudar o chamado “ativismo judicial”, o motivo da animosidade contra ministros do Supremo é o papel político que a Corte assumiu nos últimos anos.
Para ele, a adoção no Brasil de um modelo de votos sigilosos, como ocorre nos EUA e na França, por exemplo, é inviável. Na Suprema Corte norte-americana, a fundamentação de cada voto não é publicada, como ocorre no Brasil. Ramos afirma que a dificuldade em adotar o modelo aqui é a falta de tempo para buscar consensos. “A diferença é que a Suprema Corte (dos EUA) julga pouquíssimos casos, menos de 100 casos por ano. No Brasil, são milhares”, disse ao Estadão.
Para Jorge Souto Maior, Direito do Trabalho na FDUSP, o discurso foi "inapropriado". "A garantia básica da cidadania, conferida pelo Estado de Direito, é a publicidade dos atos jurisdicionais e a fundamentação das decisões, para que ninguém sofra a coerção do Estado sem a instauração do 'devido processo legal', estabelecendo-se, inclusive, uma estruturação de responsabilidades na qual se integram, sobretudo, aqueles a quem a sociedade outorga poderes", escreveu em seu blog (https://encurtador.com.br/vITX1 ).
Ministro aposentado no STF, o antigo aluno da SanFran Celso de Mello defende transparência dos votos. Ao comentar as palavras do presidente, o elogiou o fato de Lula também ter dito que as decisões judiciais devem ser cumpridas sempre, sem questionamentos. No entanto, manifestou sua discordância sobre a divulgação dos votos dos integrantes da Corte. "Os estatutos do poder numa República fundada em bases democráticas não podem privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo, que tem na transparência a condição de legitimidade dos próprios atos, sempre coincide com tempos sombrios e com o declínio das liberdades fundamentais!", afirmou ao Conjur.
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