A tese usada pelo Judiciário para condenar os réus da boate Kiss é questionada por especialistas em Direito Penal. Matéria do jornal “Folha de S.Paulo”, que ouviu os professores da Faculdade de Direito da USP Ana Elisa Bechara, Direito Penal, e Maurício Dieter (área de criminologia), observa que segue controversa a acusação do Ministério Público do Rio Grande do Sul, apontando crime doloso contra a vida (intencional) e que levou o caso a júri popular.
A professora Ana Elisa segue a linha apresentada pela defesa e vê confusão entre as figuras de dolo e culpa no caso.
De acordo com ela, a tragédia poderia ter sido evitada (ou seja, há responsabilidade), mas tem uma análise técnica da qual não se pode fugir. “Quando se passa por cima dos conceitos técnicos de Justiça para julgar conforme uma ansiedade da sociedade, a gente abre uma porta perigosa, a do arbítrio, de cada um de nós, amanhã, poder ser julgado de forma subjetiva, não de acordo com o conhecimento técnico", afirmou para a repórter Fernanda Canofre.
A docente acrescenta que, num caso como esse – quando se diz que essas pessoas conheciam esse resultado morte como muito provável e ficaram indiferentes – está se dizendo que elas eram, no mínimo, suicidas.
Dieter segue na mesma direção. Para ele, o problema principal não está na distinção entre dolo e culpa. "Em uma prova de direito penal, o gabarito do caso da boate Kiss, provavelmente, seria incêndio com resultado morte. Isso não é competência do júri, é julgado pelo juiz comum, com pena de seis a doze anos", diz. E acrescenta que as evidências apresentadas indicam que não houve dolo eventual pelos acusados.
Em outra matéria, também na Folha de S.Paulo (https://bit.ly/33Dwhay), o professor Pierpaolo Cruz Bottini (Direito Penal) criticou a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, por decretar a prisão imediata dos condenados.
De acordo com o docente, a lei usada pelo magistrado, que trata da suspensão de liminar, "tem por objetivo enfrentar decisões tomadas contra o poder público".
"Esse instrumento deve ser adotado quando um Tribunal de Justiça concede mandado de segurança anulando decisão da administração pública. Nesse caso, o governador, por exemplo, vai até a Corte e pede a suspensão da medida para assegurar a estabilidade de decisões administrativas. O caso em debate trata de concessão de liberdade a uma pessoa, então ele não se enquadra no instrumental desta lei", afirma.