Encontros acontecem até sexta-feira (09/05) e reúne professores, pesquisadores e autoridades em torno do tema “Letramento social: teoria crítica sobre raça e racismo à brasileira”
Edição: Kaco Bovi
Ao abrir os trabalhos do Curso “Letramento social: teoria crítica sobre raça e racismo à brasileira”, o diretor da Faculdade de Direito da USP, professor Celso Campilongo, observou que a Universidade (como um todo) vem mudando nos últimos anos, com avanços relevantes e significativos, nos campos da inclusão, do pertencimento e da diversidade.
O evento é organizado pela professora Eunice Prudente, Direito Humanos da FDUSP, e contou na primeira mesa com a vice-diretora da SanFran, Ana Elisa Bechara; a presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, Julia Wong; a pró-reitora de Inclusão e Pertencimento da USP, professora Ana Lúcia Lanna; a doutora pela FDUSP Vanessa Santos do Canto. De forma virtual, teve fala da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco; e do docente Paulo Henrique Pereira.
Coube ao escritor e professor Adilson Moreira proferir a conferência inicial.
Para Campilongo, de todas as transformações na Universidade de São Paulo, nos últimos anos, as mais importantes, mais relevantes e mais impactantes são a de cotas raciais. “Isso muda muita coisa. Alterou a cara da universidade. Mas não significa que o caminho seja tranquilo para eliminar os riscos e distorções. Discutir esses temas significa alargar os espaços de cidadania, da democracia, do Estado de Direito e da Constituição”, disse.
Ao mediar as discussões, Eunice Prudente observou a importância de ter espaços necessários para aprender e discutir tudo que é representativo para o desenvolvimento democrático. “Aqui estamos com a questão racial no Brasil”, afirmou.
Anielle Franco reforçou que, onde quer que esteja, defende a educação, acrescentando o curso tão necessário e simbólico. “É uma honra falar de letramento racial na Faculdade de Direito”. Para ela, trata-se de um ato pedagógico, mas também um gesto reparador, pois não tem ensino jurídico de excelência sem se enfrente o racismo institucional, sem que se enfrente as mazelas e as desigualdades. “Que a gente possa ter no horizonte um país menos racista”.” E assinalou que em seu Ministério há todo um trabalho para construir uma gramática institucional. “Pensar um programa federal de ações afirmativas com a valorização da memória negra e o enfrentamento do racismo institucional é uma pequena mostra que o Estado Brasileiro precisa e deve se reinventar”, disse.
Adilson Moreira ressaltou que o debate tem papel essencial na construção de uma sociedade verdadeiramente democrática no Brasil. Ilustrou sua fala com alguns exemplos, para elencar que muitas pessoas falam sobre o letramento racial, mas não explicam os motivos pelos quais esse movimento deve existir, nem quais são os propósitos e os parâmetros que fazem refletir sobre o tema.
Nessa direção citou três incidentes. O primeiro, o caso de um policial que foi morto e, como uma forma de retaliação, a polícia matou cerca de sete jovens negros periféricos. O segundo, um grupo de gerentes brancos que se vestiram como membros da Ku Klux Klan e numa festa de Natal assediaram funcionários. E, em terceiro, uma decisão sobre políticas de ações afirmativas implementadas na universidade federal do Paraná, onde um juiz afirmou que essas políticas são inconstitucionais.
“É comum termos um estereótipo no Brasil dizendo que negro não gosta de trabalhar, de pessoas que são contrárias a políticas afirmativas. O que está por trás desse rio de ideias? De onde vem essa ideia de que negros não gostam de trabalhar? Elas surgem porque os negros eram escravizados e lutaram contra o processo o tempo inteiro”.”
Moreira ressaltou os ciclos que ocorreram depois de 1988, da liberalização política do País, com a rearticulação do movimento negro. “Negros começaram a ir para as ruas demandar direitos e pressionar o governo para implementar políticas de ações afirmativas. Quando você chega num estágio de igualdade de direitos, você entra nesse novo ciclo que é o da competição. E, agora, negros estão na universidade, na televisão...”.”
Ana Elisa afirmou que mais do que uma honra sediar o evento e ouvir a conferência de Adilson Moreira é um dever da FDUSP promover esse curso. “Nessa faculdade que está preste a completar 200 anos, maltratamos Luís Gama, que muito tempo depois foi homenageado em uma atitude reparadora”.”
Essa faculdade foi fundada em 1827 com a ideia de se formar o Estado Brasileiro que então se tornava independente de Portugal. A ideia era formar a elite brasileira”, avaliou. Ana Elisa acrescentou que, em 1828, teve início a primeira turma e que, dos 33 alunos que começaram o curso, um deles ganhou a medalha de honra pelo melhor desempenho acadêmico de toda a turma. “Esse aluno foi José Antonio dos Reis, um negro. O mesmo negro que foi o primeiro bibliotecário de uma biblioteca pública do Brasil, a da FDUSP, que neste ano completou 200 anos”.
Julia Wong relatou uma pesquisa feita por sociólogos americanos no início da pandemia, com crianças negras. E essas crianças sequer consideravam ou imaginavam estar em postos importantes. “É nessa ideia que entra esse curso e essa tentativa brilhante da professora Eunice. Porque esse curso é sobre representatividade, sobre demonstrar que, apesar de invisibilizados, existem doutores, professores e acadêmicos negros que protagonizam a pesquisa e a academia”.”
Por sua vez, Vanessa Canto reforçou a educação jurídica antirracista, um dos temas do curso. E elogiou a iniciativa “capitaneada por Eunice Prudente, jurista, intelectual negra tão importante para a história do Direito”.
A importância dos temas étnico-raciais para a compreensão do Direito foi tema abordado por Paulo Henrique. “Se não levarmos a sério a importância que as questões étnico-raciais tiveram na construção do Estado Brasileiro, na formação da sociedade brasileira, e nos arranjos institucionais que formataram essa sociedade, não vamos entender o Direito”, finalizou.
O curso continua até sexta-feira, sempre a partir das 09h, no Salão Nobre da FDUSP, presencialmente e via on-line.
Veja transmissão completa. Reverbere
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Programação
Abertura – 5 de maio de 2025
5 de maio, 18h: Raça e racismo no contexto de uma educação jurídica antirracista. Com Vanessa Santos do Canto (pós-doutoranda da FD), Philippe Almeida (UFRJ), Wallace Corbo (UFRJ) e Ilzver Matos Oliveira (UFS).
6 de maio, 9h. Direitos humanos, racismo estrutural, movimento negro e lutas sociais. Com Gislene Santos (EACH), Maria Sylvia Aparecida Oliveira (Geledés), Patricia Oliveira de Carvalho (EACH) e Tiago Vinicius André Santos (UEMS).
7 de maio,9h. Debates contemporâneos: mecanismos de promoção de igualdade racial. Com Thiago Amparo (FGV Direito), Isadora Brandão Araujo Silva (Defensoria Pública do Estado de São Paulo), Lucinéia Rosa Santos (PUC-SP), Rogerio Monteiro de Siqueira (EACH) e moderação de Marcela Brey (doutoranda na Universidade São Judas Tadeu).
8 de maio, 9h. Políticas públicas, direito ao desenvolvimento, justiça ambiental e povos quilombolas. Com Wagner Gomes Salomão (doutorando da FD), Anna Lyvia Custodeo (conselheira da OAB-SP), Viviane Moraes (Universidade Ibirapuera), Antonia Quintão (Geledés e Universidade Mackenzie) e Lucas de Santana Modolo (doutorando da FD).
9 de maio, 9h. Igualdade e equidade, interseccionalidades e feminismo negro. Com Thula Rafaela Pires Oliveira (PUC-Rio) e Mayara Amorim (doutoranda na PUC-Campinas).