Editado por Kaco Bovi
O documento, aprovado por unanimidade pelo Plenário do CNJ, teve como relator-geral do grupo de trabalho o professor Maurício Dieter, Criminologia da FDUSP, com a pesquisadora Thaís Pinhata
Contribuir para evitar a condenação de pessoas inocentes e possibilitar a responsabilização dos culpados é o objeto de resolução aprovada, por unanimidade, pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça, que estabelece diretrizes para a realização do reconhecimento de pessoas em procedimentos e processos criminais e sua avaliação no âmbito do Poder Judiciário.
Trata-se de resultado do grupo de trabalho instaurado pela Portaria CNJ nº 209/2021, dividido em cinco comitês temáticos, que reuniu os principais especialistas no tema e desenvolveu estudos e protocolos a serem observados pelo Poder Judiciário para aprimoramento de um procedimento que, atualmente, é realizado sem maior rigor técnico por policiais militares ou civis. Para piorar, é em regra ratificado pela autoridade judiciária.
O professor Mauricio Stegemann Dieter, do Departamento de Direito Penal e Criminologia da Faculdade de Direito da USP, foi o responsável pela relatoria-geral do grupo de trabalho, na companhia da pesquisadora Thaís Pinhata. Ele acredita que o enorme esforço coletivo para a produção do relatório final, após quase um ano de trabalho, significa um salto civilizatório.
Docente da FDUSP observa a importância desse novo elemento, no sentido de refazer o reconhecimento de pessoas no Brasil, de maneira científica, seguindo as contribuições da criminologia crítica e da psicologia do testemunho.
“O reconhecimento pessoal é uma determinação central no encarceramento de homens jovens e negros por crimes patrimoniais e tráfico de drogas. A banalização desse procedimento, agora parametrizado, é um elemento catalisador da seletividade penal e, por isso, merecia uma disciplina estrita que estenda a proteção constitucional à presunção de inocência aos mais vulneráveis à criminalização”, afirma.
O criminalista, que também apresentou um artigo para a Coletânea Temática sobre o assunto, enfatiza tratar-se de uma grande conquista cidadã. “O trabalho foi extraordinário; mais de 30 pesquisadores e professores dedicaram-se meses a fio para enfrentar uma das grandes deficiências do processo penal brasileiro, e conseguiram sistematizar um projeto integral para refundação do reconhecimento de pessoas a partir dos mais elevados padrões internacionais”, destaca.
“Que o relatório tenha sido aprovado sem reparos demonstra o compromisso do CNJ com a proteção aos direitos humanos e o reconhecimento da seletividade racial do sistema penal como algo que corrompe, ou mesmo define, procedimentos legais na prática”, afirma.
A equipe, organizada e coordenada pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativa, foi liderada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça Rogério Schietti Cruz, um dos principais responsáveis de levar essa importante questão à atenção das Cortes Superiores.
A proposta (em Plenário) foi apresentada pela presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministra Rosa Weber. A magistrada afirmou que as reflexões e os debates desenvolvidos no âmbito do Grupo de Trabalho tiveram como tônica a pluralidade de olhares institucionais e a diversidade de perspectivas epistemológicas.
“Ao disponibilizar à sociedade brasileira todas as contribuições do grupo, o CNJ dá um passo histórico na elevação do padrão de confiabilidade da prova de reconhecimento e na qualificação da prestação jurisdicional em nosso país, fatores que contribuem, a um só tempo, para evitar a prisão e condenação de inocentes, reduzir a impunidade e ampliar o respaldo do sistema de justiça perante a comunidade”, disse.
O alcance da medida aprovada foi destacado pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão. “Como integrante do STJ, não poderia deixar de falar sobre a relevância do papel do nosso tribunal nessa matéria criminal e, especialmente, nos avanços obtidos no tema dos direitos humanos”.
Parâmetros
Entre os principais aspectos da resolução, destacam-se a delimitação, por natureza, do reconhecimento de pessoas como prova irrepetível e o estabelecimento de que o reconhecimento seja realizado preferencialmente pelo alinhamento presencial de quatro pessoas e, em caso de impossibilidade, pela apresentação de quatro fotografias, observadas, em qualquer caso, as diretrizes da resolução e do Código de Processo Penal. A norma também prevê que, na impossibilidade de realização do reconhecimento conforme esses parâmetros, outros meios de prova devem ser priorizados.
De acordo com a resolução, todo o procedimento de reconhecimento deve ser gravado, com sua disponibilização às partes, havendo solicitação. Também é necessária a investigação prévia para colheita de indícios de participação da pessoa investigada no delito antes de submetê-la a procedimento de reconhecimento e, ainda, a coleta de autodeclaração racial dos reconhecedores e dos investigados ou processados, a fim de permitir à autoridade policial e ao juiz a adequada valoração da prova, considerando o efeito racial cruzado.
A resolução prevê que a autoridade deve zelar pela higidez do procedimento, evitando a apresentação isolada da pessoa, de sua fotografia ou imagem (show up), o emprego de álbuns de suspeitos e de fotografias extraídas de redes sociais ou de qualquer outro meio, além de cuidar para que a pessoa convidada a realizar o reconhecimento não seja induzida ou sugestionada, garantindo-se a ausência de informações prévias, insinuações ou reforço das respostas por ela apresentadas.
(Com informações da Assessoria de Comunicação do CNJ)
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