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A irreverência de um ilustre acadêmico franciscano

José Rogério Cruz e Tucci, professor Sênior de Direito Processual Civil e ex-diretor da FDUSP

 

A Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, perto de completar 200 anos de sua criação, pelo Decreto Imperial de 11 de agosto de 1827, armazena um sem-número de vicissitudes e antologias históricas, muitas das quais são famosas e conhecidas pelos vários livros que foram escritos sobre as Arcadas, bem como pela tradição oral que se transmite, sucessivamente, de geração a geração de jovens acadêmicos.

Afinal, egressos desta prestigiosa instituição dez presidentes da República, 45 governadores da província e do estado de São Paulo, inúmeros ministros de Estado, ministros dos tribunais superiores, parlamentares, além de um significativo número de juristas e renomados operadores do Direito.

Notória é a importância política que a São Francisco conquistou ao longo de nossa história, com expressiva e determinante participação na defesa da democracia, especialmente nos momentos em que a força conspirou contra os direitos individuais.

Exemplo marcante desse relevante papel foi a Carta aos Brasileiros, redigida e lida pelo saudoso professor Goffredo da Silva Telles, em 1977, no pátio da faculdade, a céu aberto. Nas palavras de Celso Lafer,

"a carta teve como ponto de partida a herança do que se ensina numa faculdade de direito. Teve como ponto de chegada anunciar a erosão do regime autoritário militar instaurado em 1964 ao catalisar no país a consciência do imperativo do Estado de Direito".

Dentre tantos relatos importantes que se encontram na memória franciscana, tomei conhecimento, há alguns dias, de episódio inusitado, envolvendo a vida de um acadêmico, que foi ministro do Império, chamado Francisco Antunes Maciel.

Nascido em Pelotas, no Rio Grande do Sul, em 1847, após ter completado os seus primeiros estudos, seguiu para São Paulo, matriculando-se na Faculdade de Direito, a única então existente no nosso país.

Engajou-se na política acadêmica e se filiou ao Partido Liberal, tornando-se um dos líderes de sua geração. Dedicando-se ao jornalismo, logo passou a ser o redator-chefe do periódico estudantil então lançado há pouco tempo.

Enquanto estudante, Antunes Maciel viu-se envolvido num movimento de insubordinação, contra a reforma dos estatutos da faculdade, porque não previa um representante do alunado na comissão então instituída para tal finalidade.

Tamanha foi a repercussão da resistência dos jovens acadêmicos, que muitos deles — incluindo-se Antunes Maciel — foram proibidos de colar grau na turma de 1870.

Mais tarde, quando o governo autorizou todos os estudantes a colarem grau, Antunes Maciel, que se julgava injustiçado, deixou de comparecer à solenidade acadêmica e retornou à sua cidade natal.

Em seguida, seguiu viagem para o Uruguai, formando-se, em 1872, pela Faculdade de Direito da Universidad de la República, fundada em Montevidéu no ano de 1849.

Retornando ao Brasil, já no ano seguinte, elegeu-se deputado provincial e, por muitos anos, foi um político proeminente. Foi conselheiro do Conselho de Ministros, sob a presidência de Lafayette Rodrigues Pereira.

Francisco Antunes Maciel foi o responsável pela reforma da saúde pública no Brasil, iniciativa que lhe conferiu grande notoriedade, inclusive no exterior, ao ser agraciado, pelo governo francês, com a medalha de "Legião de Honra", sendo o primeiro brasileiro a receber tal honraria.

Mais tarde, torna-se protagonista da primeira campanha civilista, ao lado de Ruy Barbosa, que o indicou como líder da minoria no nosso parlamento.

Foi homenageado pela Câmara dos Deputados, em 29 de outubro de 1949, no centenário de seu nascimento.

Por fim, vai aqui uma nota de congratulação ao ilustre advogado e amigo Francisco Antunes Maciel Müssnich, que vem a ser bisneto de Francisco Antunes Maciel, homem que deixou sua marca nos anais da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco!

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