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O gestor público e o privado diante das "criptomoedas"

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, professor sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP

 

Artigo escrito, originalmente, para o Portal Migalhas

 

A moda é uma coisa passageira. Basta ver alguns filmes cujo enredo é situado em épocas variadas para se aferir essa verdade. Por exemplo, os penteados das mulheres ao longo do tempo mostram de forma muito clara que um look nessa área referente à década de 50 do século passado certamente provoca horror às senhoras dos dias atuais. Mas uma coisa muito interessante também se observa: modas do passado algumas vezes retornam. Se não na sua versão original, em outra dela adaptada.

A respeito dessas observações confesso em minha ignorância não saber se as "criptomoedas" são mesmo uma realidade a permanecer - e em que medida - ou se são uma moda. E, claro, há os pessimistas que dizem tratar-se de gigantescas pirâmides financeiras, bem maiores do que as do Egito antigo. Veja o caro leitor que coloquei termo entre aspas porque, na verdade, moeda não são, já que não preenchem adequadamente ou não preenchem de forma alguma as qualidades históricas que lhes são atribuídas: meio de pagamento, reserva de valor e instrumento de pagamentos. Dessa forma, elas têm sido denominadas de criptoativos, termo que passou a fazer parte do vernáculo regular dos mundos financeiro e econômico.

Outro aspecto interessante é que os criptoativos se proliferam mais do que coelhos em uma criação desses dóceis animaizinhos. Na data em que escrevo este artigo foram contadas mais de seis mil deles pelo mundo afora, a grande maioria sem pai nem mãe conhecidos, ineficaz qualquer teste de DNA monetário para identificá-los. Eu mesmo já criei o bitduclerc e estou aberto para negócios. E pergunto se alguém já se encontrou em qualquer lugar e em qualquer época com o senhor Satoshi Nakamoto, tido como o pai da bitcoin ou, mesmo, com algum seu procurador. Ninguém jamais o viu tomando um avião, aproveitando uma boa refeição em algum restaurante ou mandando lavar a sua roupa suja em uma lavanderia automática.

Examinando-se a cotação da bitcoin no intervalo de 13 de dezembro próximo passado para este momento, vemos que ela foi sistematicamente negativa, tendo variado de R$274 mil para R$236 mil em 12 de janeiro deste ano (em números redondos). Por outro lado, um gráfico de cinco anos mostra que a bitcoin variou de R$279 mil em março de 2018 para os mesmos R$236 acima indicados naquele mesmo dia deste ano. Esse gráfico mostra uma ascensão do lentamente progressiva do seu preço até 10 de dezembro de 2020, quando a curva de crescimento começou a se elevar sensivelmente, tendo chegado ao pico de R$313 mil em 8 de abril de 2021, que sofreu uma perda brusca em pequeno intervalo de tempo, havendo chegado a R$158 mil no dia 24 de junho de 2021. Depois ela voltou a subir até o pico de R$351 mil em 28 de outubro do mesmo ano, quando iniciou uma marcha descendente desde então. Como se percebe, essa cotação tem a cara das montanhas russas mais radicais que as do parque da Universal em Orlando.

Outra observação sobre a sua cotação em tempo real, nos mostra que ela muda a cada segundo no mesmo dia, para cima e para baixo, de maneira que o titular pode experimentar ganhos e perdas em cada momento. Se, porventura, seu dono necessitar fazer um pagamento com moeda do mundo real, para tanto devendo vender parte de sua posição em bitcoins, ele poderá ser dar bem ou mal, em situação de pura sorte a qual, no direito, chamamos de incerteza. Incerteza e não risco porque as variações não são mensuráveis em termos estatísticos. E haja incerteza nisso.

Mas passemos à fria realidade. Não sendo moeda, os criptoativos, na qualidade de bens móveis imateriais lícitos (ou ativos digitais), dentro da liberdade constitucional das convenções nada impede que os interessados as utilizem como forma de pagamento que, na verdade, do ponto de vista jurídico, corresponde a uma permuta. A eficácia desse instrumento - depende da livre troca do criptoativo para o real e vice-versa, vivendo os usuários dentro de dois mundos segregados. Nos casos em que tal conversão se torne necessária aumentarão os custos de transação, que passam pela tributação de cada operação, nas quais está embutida a incerteza relativa à oscilação das cotações que pode ser muito brusca, conforme vimos acima.

A incerteza da variação acima citada pode ser relativamente controlada por meio da celebração de contratos de hedge entre as partes, mas isso, como já disse, aumenta os custos de transação e, com todos os demais aspectos negativos, restringe o uso dos criptoativos para valores maiores que compensem tais custos.

 

  1. O gestor da res publica

Nesse cenário, uma notícia que gerou este artigo nos dá conta de que o prefeito do Rio de Janeiro tem um projeto para aplicar parte do dinheiro da municipalidade em criptomoeda e dar um desconto para o IPTU se pago em bitcoin. Entre outras questões a serem discutidas, como emissor do bitduclerc eu poderia impugnar essa escolha que, se efetivada sem a devida concorrência pública para a escolha desse criptoativo em particular, caracterizaria um ilícito concorrencial. Tem sido interessante ver os gestores públicos se dirigirem para medidas semelhantes, algumas bem mais profundas como El Salvador, que adotou a bitcoin como meio de pagamento oficial do país; a Nova Zelândia, que passou a adotar a bitcoin para o pagamento parcial dos salários dos seus servidores1; e por aí vai.

É muito sintomático verificar que El Salvador já pode ter se dado mal em sua escolha, conforme notícia recente, tendo perdido em pouco tempo. cerca de 40% do valor gasto para a compra de bitcoins2.

Vamos ficar por aqui mesmo no plano internacional.

No Brasil, na nossa análise sobre a Prefeitura do Rio de Janeiro, observamos haver o prefeito dito que o projeto prevê um desconto adicional no pagamento do IPTU, se feito em bitcoins. O projeto se volta para a criação do Cripto Rio, a busca de investimentos futuros de gestão em inovação e tecnologia e o Portomara Valley, área do Porto Maravilha, dando direito à isenção fiscal para empresas do segmento tech, buscando-se tornar aquela cidade um hub (uma plataforma) de criptomoedas e com integração sob esse aspecto, ligando a Zona Sul com a Zona Norte. Alegou aquele prefeito que "o governo tem um papel a cumprir", seguindo o modelo de declaração do famoso Conselheiro Acácio. Diante de tudo isso eu fico verdadeiramente maravilhado, se é que me entendem.

Considerado, precisamente, o elevado preço dos criptoativos, a ideia do prefeito do Rio de Janeiro fica um pouco mais difícil de se tornar uma realidade, dado o perfil de renda da maior parte da população daquela cidade, situado entre a sofrida classe média e as classes menos favorecidas, que ficarão alijadas do desconto proposto, em clara situação de tratamento não isonômico. E vamos lá, segundo a cotação mais recente, o pagamento de um IPTU da ordem de R$1.000,00 equivaleria de 0,004237288 de bitcoin, de que o proprietário do imóvel precisaria dispor para o adimplemento daquele imposto e ter direito ao desconto projetado. Nada viável, como se vê. Veja-se que essa oscilação tem sido observada com preocupação pelos investidores em criptoativos, instados a tomar cuidado em suas aplicações.

Aproveito para abrir um parêntese. Entendo que, do ponto de visa estritamente econômico, não se poderia considerar as criptomoedas como investimento. Investimento é uma aplicação da qual decorre uma renda, tal como acontece com os dividendos das ações e com os juros dos empréstimos. No tocante às criptomoedas o ganho do aplicador está tão somente na diferença positiva entre o preço líquido que ele pagou por elas e o resultado líquido da sua venda, descontados os custos. Particularmente no tocante à bitcoin, o produto eventual da sua mineração poderia eventualmente ser considerada uma renda, tal como o garimpeiro que encontra ouro.  Do lado das ações a sua cotação pode declinar por algum motivo de mercado, ao mesmo tempo em que bons dividendos são pagos. E no tocante aos empréstimos, os juros sempre serão pagos regularmente no vencimento da operação, ainda que a situação do devedor tenha se deteriorado, a não ser se ele veio a quebrar durante o período de maturação da operação.

Do ponto de vista acima, numa visão puramente econômico-financeira, o aplicador em criptomoedas é tão somente um especulador3, cujo ganho nem sequer é garantido no longo prazo, a respeito do qual já disse Keynes que, quando chegar, todos nós estaremos mortos. Em um dia fatídico em tempo distante do momento da aplicação, a cotação de uma criptomoeda pode ter ido para o res do chão, para azar do investidor, ou melhor, especulador, com o agravamento pelo fato de que Sua Majestade, o Fisco terá salvado a sua parte.

Indo adiante, vejamos mais um ponto. Teria o prefeito do Rio de Janeiro competência para aplicar parte do tesouro da prefeitura em bitcoins? Tenho cá minhas muitas dúvidas do ponto de vista jurídico, considerando que ele estaria trocando moeda com curso forçado (o real) por um ativo digital (bem móvel imaterial), com o custo correspondente e com toda a incerteza envolvida nesse cenário4. Uma coisa é o balanço da prefeitura, que pode envolver toda a espécie de bens, outra muito diferente é a composição dos itens que integram o Tesouro Municipal, a ser formado por moeda em espécie e por títulos de valor expresso em real.

 

  1. O gestor da res privada

Neste tópico nos referimos ao empresário (individual) e aos administradores das sociedades empresárias, que são o nosso foco. Se os primeiros fizerem operações com criptoativos e se derem mal, podem quebrar, levando junto o seu patrimônio pessoal e causando prejuízo para os seus credores. No tocante aos administradores das sociedades empresárias eles são responsabilizados por culpa ou dolo relativos aos prejuízos decorrentes de sua gestão, na forma das leis aplicáveis5.

As sociedades são constituídas para a realização de um projeto econômico, apontado no seu objeto social. Este é o parâmetro a ser observado pelos administradores, que para a sua realização, devem pôr a serviço o capital da sociedade. Esse capital pode consistir em dinheiro e em bens idôneos ao atendimento do objeto social. O dinheiro tem uso universal, servindo para fazer os pagamentos das obrigações assumidas pela sociedade. Quanto a outros tipos de bens, móveis e imóveis, materiais e imateriais eles necessariamente devem ter relação direta com o escopo da empresa. Por exemplo, pode-se regularmente comprar um imóvel para a sede do estabelecimento ou moeda estrangeira para fazer face a uma obrigação financeira internacional. Mas não se pode comprar um apartamento na Riviera Francesa para as férias dos administradores, com um Aston Martin e um jet-sky na garagem.

No sentido acima, a pergunta que se coloca é saber se o administrador da sociedade pode adquirir criptoativos, que passarão a integrar o patrimônio daquela não como dinheiro, mas como coisa. Digamos que um fornecedor de sua empresa, situado no exterior, aceite esse bem como forma de pagamento. Então ele será útil e idôneo à realização do objeto social. Mas é preciso considerar alguns aspectos da operação, tais como os custos da aquisição do criptoativo mediante o pagamento em reais necessário para tal finalidade e que não sejam mais elevados do que uma operação de câmbio internacional objetivando o adimplemento da mencionada obrigação. Além do mais, é preciso verificar a sua regularidade.

Outra coisa bem diferente é aplicar em criptoativos para o fim de se obter uma valorização futura, altamente incerta, como vimos, servindo o lucro de tal operação para o cumprimento de obrigações da sociedade. Dessa forma, deve-se ter em conta em primeiro lugar que o bem em questão não é diretamente idôneo à realização do objeto social. Em segundo lugar, claramente se trata de um investimento de natureza especulativa, colocado no plano da incerteza e não do risco conforme já vimos e, como no caso do exemplo dado não existe um negócio concreto já entabulado, a compra dos criptoativos não pode ser protegida por hedge e, havendo perda futura, por ela poderão ser responsabilizados os administradores.

Outra face dessa abordagem diz respeito a operações no mundo do metaverso, que vem por aí, não se sabe como nem quando, do qual não tratarei aqui. O certo é que terá de haver uma ligação entre o mundo real e esse de natureza virtual. Se, por acaso, no metaverso for criada uma moeda própria que nele circule, isso ocorrerá - muito por enquanto - com a natureza de permuta porque, principalmente, ela não terá curso forçado, não compreendida neste caso qualquer obrigação de ser utilizada nas operações que ali ocorrerão sob a pena da aplicação de penalidades. Mesmo porque um eventual direito também criado no metaverso somente poderá ser aplicado aos avatares respectivos dos operadores do mundo real e não contra estes, aqui mesmo6.

Como se tem verificado, no plano privado tem se generalizado o uso da bitcoin para o fim de pagamentos no dia a dia das empresas, havendo bancos digitais que operam nesse mercado, como é o caso do Captual com dois milhões de clientes, na qualidade de uma instituição digital que oferece serviços bancários completos, tendo requerido ao Banco Central do Brasil o registro para atuar como instituição de pagamento7. Até mesmo escritórios de advocacia passaram a receber criptomoedas como forma do pagamento dos honorários devidos por seus clientes, utilizando-se de corretoras do ramo8 para o fim de se fazer uma conversão para o real. Nesses casos podem estar presentes questões jurídicas relativas à sua validade, a par dos efeitos maléficos das incertezas presentes.

Em conclusão podemos nos perguntar, no plano público se projetos da natureza do anunciado pela prefeitura do Rio de Janeiro constituem novidades alvissareiras relativas aos novos tempos virtuais (que os velhinhos como eu não conseguem entender), ou se não seriam uma aventura rumo ao desconhecido, cheia de muitos perigos? Isso também diz respeito ao mundo das empresas, no plano privado.

Em tais cenários, na situação atual, eu vejo claramente a caracterização de jogo e aposta, do que de investimento. Façam as suas apostas senhores, e vejam no que dá, considerando que pela minha experiência de espectador nesse ramo somente vi uma pessoa que ganha sempre da banca, o James Bond.

 

Com a palavra o leitor.

__________

1 In "Nova Zelândia torna bitcoin legal para pagamento de salários", Jornal Valor Econômico de 12.08.2019.

2 In "El Salvador pode ter perdido dinheiro com bitcoin", Jornal Valor Econômico de 13.01.22.

3 Contrariamente ao que pensa o vulgo, o especulador não é por princípio um agente pernicioso, mas aquele que, na busca de justo lucro pessoal e na somatória de todos os especuladores, proporciona a necessária liquidez ao mercado, permitindo-se aos investidores que possam nele entrar e sair livremente.

4 Observe-se que essa operação, caso possível, deverá atender os requisitos lei Complementar 101, de 04.05.2000 (Lei da Responsabilidade Fiscal) e da lei 4.320, de 17.03.1964, a qual estatui normas de Direito Financeiro para a elaboração e o controle dos orçamentos públicos, inclusive dos municípios.

5 Por favor, não me falem de responsabilidade fundada na quebra de deveres fiduciários pelos administradores, porque no direito brasileiro não se trata disso, sendo essa noção errônea um caso de importbando do direito anglo-norte-americano. No nosso ordenamento jurídico a responsabilidade do administrador é fundada na lei e não no trust.

6 Eu, pessoalmente, não desejo ser transformado em fonte de energia em na minha ligação com um mundo virtual, com o meu corpo cheio de conexões tipo USB e HDMI. Prefiro ser incluído fora disso.

7 Cf. "Criptomoedas podem ser usadas no dia a dia das pessoas e das empresas", Jornal Valor Econômico de 11.01.2022.

8 Cf. "Escritórios aceitam criptomoedas para receber honorários", Jornal Valor Econômico de 03.01.22.

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