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Influenciadores financeiros e o mercado de capitais

Pierpaolo Cruz Bottini, professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP; e os advogados Tiago Rocha e Pablo Naves Testoni

 

O número de brasileiros que aplicam seus recursos em renda variável vem aumentando no país. De acordo com o último levantamento promovido pela B3, cerca de 4,6 milhões de pessoas físicas investem nesse específico segmento, e o produto mais negociado foram as ações de companhias abertas e listadas na bolsa de valores.

Não há dúvida de que esse crescimento está vinculado à educação financeira e à segurança jurídica, garantida por um marco legal consistente que prevê, dentre outras coisas, o crime de manipulação de mercado de capitais e de uso de informação privilegiada. A ideia é que todos os participantes do mercado negociem com base nas mesmas informações, sem que alguns tenham acesso a dados exclusivos sobre fatos relevantes de empresas e suas perspectivas de negócio.

A multiplicação de corretoras de investimentos facilitou o acesso dos investidores à bolsa de valores, que, por meio de aplicativos instalados em seus próprios smartphones, conseguem comprar e vender ações numa fração de segundo.

Nesse cenário, surge um novo personagem: o influenciador digital. Aquele que usa redes sociais para disseminar suas opiniões para o mercado, indicando investimentos, sugerindo operações, criticando e elogiando ativos mobiliários ou empresas. São pessoas capazes de influenciar comportamentos, fomentar ideias e servir de fonte de informações para os seguidores em determinado assunto ou área. Quando bem-intencionados, contribuem para a popularização do setor e para a diversificação dos investimentos. Quando mal, podem ser instrumentos de manipulação de mercado, em especial se usam suas redes e influência para propagar informações falsas, incompletas ou distorcidas a um número grande de pessoas em pouco tempo, prejudicando incautos e beneficiando operadores que já conheçam as opiniões que serão apresentadas ao público em geral.

Segundo a CVM, cerca de 75% de investidores que passaram a operar no mercado de valores mobiliários deram início a essa empreitada depois que assistiram a canais de youtubers e a outras formas de conteúdo disponibilizados por influenciadores financeiros. E não têm sido poucos os casos de pessoas que perderam grande parte do patrimônio familiar em razão de investimentos malsucedidos em operações materializadas no mercado de renda variável, como o de ações, depois de receber informações de pessoas desprovidas de conhecimento apropriado para explicitar com clareza e segurança a modalidade de investimento propugnado livremente em suas redes sociais.

É preciso atenção para o fenômeno, e buscar formas de enfrentar o uso das redes sociais para distorcer dados e manipular o mercado. A divulgação de informações sobre os cuidados que devem ser tomados ao investir em títulos mobiliários e afins, as fontes seguras de informações, o funcionamento dos órgãos reguladores, é um primeiro passo, para evitar engodos e orientações falsas.

Mas é preciso ir além da prevenção. Parece importante a fiscalização e repressão à atividade daqueles que usam de sua influência digital para obter ganhos indevidos no mercado de capitais. A Securities and Exchange Commission, órgão equivalente a Comissão de Valores Mobiliários, nos Estados Unidos da América, atenta a esta realidade, tem investigado tais influenciadores, e descoberto em alguns casos esquemas envolvendo informações fraudulentas disseminadas por plataformas e mídias sociais, propaladas por pessoas que se autoproclamavam influenciadores financeiros, e nessa qualidade auxiliaram gestores de fundos e ativos a desgastar a imagem de concorrentes, obtendo vantagens para si e para terceiros.

A CVM segue a mesma linha. No Brasil, a manipulação de mercados é crime, com pena de 1 a 8 anos de prisão. Para fiscalizar os influenciadores digitais e identificar a possível prática do delito, existe um convênio entre a autarquia e a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). O Ministério Público Federal e a Polícia Federal têm investigado condutas de manipulação de mercado por parte de influenciadores digitais, identificando em muitos casos esquemas sofisticados em que o uso das redes é instrumento de manipulação de mercado por meio da divulgação dolosa de informações sabidamente falsas.

São os primeiros, e importantes, passos. É preciso reconhecer que o mundo digital apresenta desafios, e se queremos um mercado mobiliário seguro e transparente, é preciso enfrentá-los. Reconhecer os riscos de manipulação na conduta de influenciadores digitais e buscar formas de inibir o uso das redes sociais para a obtenção de vantagens indevidas nesse terreno, é, com efeito, um caminho que deve ser seguido, e por isso a importância das medidas que vêm sendo adotadas pela CVM nesse mercado.

 

Artigo, originalmente, escrito para o Jornal Valor Econômico

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