Pierpaolo Cruz Bottini, professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP
Se as facções funcionam em território nacional, interligadas, não será possível combatê-las apenas com o esforço das polícias estaduais.
O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski assume o Ministério da Justiça em meio a aflições e expectativas. Aflições em decorrência do crescimento do crime organizado no Brasil. Antes restrito a áreas urbanas mais densas e ao âmbito prisional, grupos como o PCC, o Comando Vermelho e as mais diversas milícias passaram a controlar parte do transporte público, da distribuição de gás, das ligações ilícitas de TV a cabo e luz, sem contar o tráfico de drogas e a cobrança de proteção, suas atividades tradicionais.
Notícias sobre a infiltração progressiva de seus membros em órgãos públicos e o uso de empresas de fachada para encobrir recursos ilícitos fazem lugar comum o receio de que o País siga o rumo do México ou do Equador, onde cartéis controlam amplos territórios e enfrentam o poder público sem grandes cerimônias.
No campo das expectativas, as declarações do ministro e de seu futuro secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, indicam disposição e seriedade para enfrentar o problema. Sem recorrer a propostas populistas e inúteis, como o fim das saídas temporárias de presos, cuja extinção aumentaria a tensão nos presídios e não afetaria as organizações criminosas, indicaram um caminho importante: a integração entre polícias, o compartilhamento de informações e o enfrentamento inteligente do crime organizado.
Se as facções funcionam em território nacional, interligadas, com representantes em cada estado e contatos externos, não será possível combatê-las apenas com o esforço das polícias estaduais. É necessária uma coordenação com a polícia federal, a troca de dados com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a Receita Federal, cartórios e outros órgãos, bem como um sistema de comunicação que garanta eficiência das investigações e do cumprimento de mandados. Sem informação plena, não há estratégia viável para enfrentar organizações sofisticadas como aquelas que grassam no País.
Tal integração, para além de identificar os líderes dos grupos e suas áreas de atuação, deve ser capaz de revelar o produto do crime e as operações comerciais e financeiras dele decorrentes. A prisão dos chefes não afeta as organizações, seja porque são substituídos por outros membros, seja porque seguem coordenando as atividades de dentro das unidades de custódia. A melhor forma de abalar tais facções é seguir e confiscar os recursos oriundos do crime, desbaratar os meios de lavagem de dinheiro, afetando, com isso, sua capacidade de manter estruturas, pagar soldados e os eventuais funcionários públicos que facilitam suas atividades.
Por fim, qualquer política criminal deve ser seguida de uma política social adequada. De nada adianta subir morros, intervir em comunidades, varrer pontos de droga e prender chefes de facções se o Estado não ocupar os territórios com serviços públicos, que substituam as facilidades oferecidas pelo crime, ocupem o tempo de jovens e ofereçam a adultos oportunidades para adultos. Uma estrada para um futuro seguro não se constrói apenas com a retirada de obstáculos, mas com a pavimentação do caminho e um trabalho constante para evitar sua corrosão em decorrência do tempo.
Não será tarefa fácil, mas as declarações do ministro e de seu secretário já são um sinal de que conhecem o caminho — um bom começo para quem pretende trilhá-lo.