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STF mantém em vigor a garantia constitucional do acesso à justiça

Jorge Luiz Souto Maior, Professor Associado de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP

 

Em 20 de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADI 5766, por seis votos (Ricardo Lewandowiski, Dias Toffoli, Rosa Weber, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Edson Fachin) a quatro (Gilmar Mendes, Luís Barroso, Luiz Fux e Nunes Marques) declarou a inconstitucionalidade (sem qualquer tipo de adaptação de texto) de mais três normas da Lei nº 13.467/17, a denominada “reforma” trabalhista.

As normas da vez foram o artigo 790-B caput, o § 4o do art. 790-B e o §4o. do art. 791-A da CLT, que visavam punir ainda mais os trabalhadores e trabalhadoras, impondo-lhes o custo do pagamento de honorários advocatícios, mesmo quando declarados pobres e, por conseguinte, obtinham os benefícios da justiça gratuita.

A decisão do STF, que confere eficácia concreta, também na Justiça do Trabalho, do inciso LXXIV do art. 5o da CF, que preconiza que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos", traz um clima de esperança na retomada da regularidade constitucional e democrática com relação aos direitos trabalhistas.

Este é o sentimento que invade os profissionais (ouvidos pelo blog) que lidam com o Direito do Trabalho na perspectiva da efetivação dos Direitos Fundamentais.

Como bem pontuado pelo Ministro do TST, Cláudio Brandão, "A decisão proferida pelo STF, hoje, na ADI 5.766, resgata o verdadeiro sentido do direito fundamental do acesso à justiça e a dignidade daqueles que têm, na Justiça do Trabalho, a última trincheira na luta pelos seus direitos, tão rotineira e habitualmente violados".

A jurista Valdete Souto Severo, que tanto tem militado contra as barbaridades jurídicas trazidas pela “reforma” trabalhista, expressou, a respeito, um importantíssimo e pertinente desabafo: “Hoje é um dia para comemorar. Uma vitória óbvia se levássemos a sério à Constituição, mas nada tem sido óbvio diante da violência institucional a que a classe trabalhadora tem sido submetida. A ADI 5766 julgou inconstitucionais os artigos 790-B caput e parágrafo 4o. e 791-A, parágrafo 4o da CLT. Envergonhem-se aqueles que decidiram contra a Constituição nesses quatro anos de perversão imposta por uma lei que não resiste ao mínimo confronto com a ordem de valores e regras constitucionais. Deveriam devolver às trabalhadoras e trabalhadores pobres o que lhes retiraram, que foi bem mais do que valores indispensáveis à sobrevivência. Hoje, o Direito do Trabalho foi honrado no voto de 6 ministros do STF. Nossos desafios não se reduzem, mas nossa força e nossa esperança se renovam”.

Na mesma linha, Germano Siqueira, juiz do trabalho na 7ª Região e presidente de Anamatra no biênio 2015/2017 destacou que “A maioria formada no STF nesta quarta-feira, dia 20/10/2021, além de desfazer verdadeiras farsas lançadas como premissas para justificar uma teorização rasteira de direito econômico que sacrifica a dignidade dos trabalhadores que hoje, desempregados, buscam restos de comida em caminhões coletores de lixos ou restos de ossos em frigoríficos e supermercados para alimentar as suas famílias , cuida em não discriminar os trabalhadores pelos simples fato de serem trabalhadores, justo aqueles que jamais poderiam ser responsabilizados pelas distorções de um projeto econômico cada vez mais egoísta e concentrador de renda. Os votos majoritários e principalmente a fala da ministra Rosa Weber repuseram a verdade e a mínima racionalidade nessa questão”

“Diante de tanta destruição do Direito do Trabalho pelo STF nos últimos anos, a decisão de hoje é um alento e serve para intensificar a luta em defesa da Constituição, do seu compromisso com os direitos sociais de natureza trabalhista e o acesso amplo à Justiça sem os decotes neoliberais de mentes teimosamente escravocratas!”, consignou outro grande defensor do Direito do Trabalho no Brasil, Grijalbo Fernandes Coutinho.

Para a advogada trabalhista e vice-presidenta da Associação Americana de Juristas - AAJ-Rama Brasil, Alessandra Camarano, "o STF ao julgar a inconstitucionalidade dos artigos 790-B caput e parágrafo 4o. e 791-A, parágrafo 4o da CLT, por meio da ADI 5766, restabeleceu o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário ( CF - art. 5º XXXV), como garantia fundamental dos direitos materiais, exercício de cidadania e a finalidade social de existência digna, que desde a aprovação da Reforma Trabalhista,  estava vilipendiado com decisões judiciais  intimidatórias à classe trabalhadora de acesso à jurisdição".

O Ministro do TST e professor de Direitos Sociais, Augusto César Carvalho, também foi enfático quanto à relevância da decisão tomada pelo STF: "O julgamento da ADI 5766 pelo STF significa um passo importante na direção de devolver-se cidadania ao trabalhador brasileiro, pois só é ‘cidadão’ aquele que tem direitos e pode exercê-los ou exigi-los plenamente. A regra declarada inconstitucional impunha ao trabalhador subalterno, pobre ou vulnerável por definição, a condição de pagar honorários periciais e advocatícios se não conseguisse provar que teve direitos trabalhistas violados. Isso equivalia, o mais das vezes, a inibir o acesso à justiça; ou a não assegurar direito algum, dentre os direitos que sobraram na CLT após a expressiva redução da rede de proteção social que assistimos, com absoluta perplexidade, nos últimos anos. O ideal seria que a partir do julgamento da ADI 5766 os poderes da República voltassem os olhos para a interdependência entre os direitos humanos, pois só há liberdade onde são efetivos os direitos sociais, culturais e ambientais."

A visão do Ministro foi compartilhada por Guilherme Guimarães Feliciano, professor associado da Faculdade de Direito da USP, juiz titular da 1a. Vara do Trabalho de Taubaté e Presidente da Anamatra no biênio 2017-2019. Como dito por Feliciano: "O julgamento de hoje, reconhecendo a inconstitucionalidade da cobrança de honorários advocatícios e periciais em detrimento de hipossuficientes econômicos, fez valer minimamente os vetores de justiça que foram deitados pela Constituição de 1988; e, antes mesmo disso, fez valer a própria literalidade daquele texto. Como admitir uma “gratuidade” que, concedida pelo juízo, conviveria com o pagamento de honorários às custas de verbas presuntivamente alimentares? E como justificar isso com uma pretensa “análise econômica do direito”, a partir de conceitos que a legislação sequer conhece, como “litigância frívola”? Enfim, ainda que não se tenha declarado também a inconstitucionalidade em relação à necessidade de recolhimento de custas para o novo ajuizamento de reclamatórias arquivadas, a decisão de hoje veio como bálsamo para tantos quantos denunciavam o óbvio - a inconstitucionalidade de um arremedo de “gratuidade condicionada” - e agora o viram reconhecido pela suprema corte brasileira."

Uma sensação de alívio é o que expressa o sentimento de Xerxes Gusmão – Juiz do Trabalho Substituto do TRT da 17ª Região (ES): "Como profissional da área trabalhista há algum tempo, foi extremamente desconfortável ter de lidar com uma recente onda de destruição de todos os pilares do Direito do Trabalho no Brasil, tendência inaugurada pela reforma trabalhista, mas com inúmeros capítulos posteriores. É nesse sombrio cenário que recebi, hoje (20/10/2021), uma alvissareira notícia sobre decisão do STF: declararam-se inconstitucionais os dispositivos celetistas que impunham, ao trabalhador autor de ação trabalhista, ainda que beneficiário da gratuidade de justiça, despesas processuais como honorários advocatícios e periciais. Retomou-se, assim, o rumo certo da Justiça do Trabalho: o de tentar reequilibrar, ainda que parcialmente, a desigual relação entre trabalhador e empregador."

"Hoje nós obtivemos uma grande vitória: uma vitória do Direito do Trabalho; uma vitória da Justiça do Trabalho; uma vitória do acesso à justiça", sintetiza com maestria a Ministra Delaíde Miranda Arantes. 

Já a juíza do trabalho, Patrícia Maeda, vai ao fundo da questão e adverte: "É uma vitória tão importante que chega a ser melancólica. Comemorar o reconhecimento de algo que não deveria nunca ter sido ameaçado mostra o tamanho do desafio do tempo presente".

Este também é tom que se identifica na fala de Roselene Aparecida Taveira, Juíza Substituta do TRT 2: "Hoje sentimos um misto de alívio, vergonha e revolta pelo massacre de quatro anos contra os trabalhadores mediante a aplicação reiterada de normas inconstitucionais (ADI 5766) em nossos Tribunais Regionais do Trabalho. Negamos ao mais vulnerável socialmente por 4 anos o amplo acesso à Justiça, sem receios, sem ameaças e temores, quando entendia ter um direito lesado ou ameaçado. Negamos a esse trabalhador a igualdade jurídica, única medida compensatória de uma desigualdade social e econômica nítida na observação das relações entre capital e trabalho. Negamos a esse cidadão a dignidade, fundamento de nosso Estado. Tratamos, ainda, com evidente discriminação o trabalhador litigante sem meios de arcar com custas e honorários em relação ao litigante comum. Como explicar o que fizemos a essas pessoas? Para além do “juridiques” de dizer que aplicamos normas inconstitucionais para lhes retirar créditos alimentares, deveríamos ainda dizer que erramos e estamos envergonhados por isso. Talvez seja tarde demais. Talvez consigamos recomeçar".

Como se pode ver, a decisão do STF tem o potencial de recolocar as coisas no rumo da ordem constitucional e da efetivação dos Direitos Sociais no Brasil, vez que não é possível falar em plenitude do Estado Social Democrático de Direito sem que sejam respeitados os direitos fundamentais de milhões de brasileiros e brasileiras que, com seu trabalho, salvam vidas (como se viu de forma mais evidenciada na pandemia) e produzem a riqueza do país.

A satisfação é grande porque a questão do acesso à justiça é essencial. A esperança, no entanto, deve ser contida porque vários outros aspectos referentes aos direitos materiais propriamente ditos ainda estão sob julgamento (como o da tarifação da indenização por dano moral, ADI 6050, que está na pauta de amanhã), até porque, como já se denunciou várias vezes no movimento do acesso à justiça encabeçado por Mauro Cappellitti, pouco adianta garantir o acesso à justiça aos pobres se estes não tiverem direitos a pleitear.

Nunca é demais lembrar que a "reforma" trabalhista se concretizou por meio de uma lei alcançada em momento de ruptura democrática, o que, ademais, foi impulsionado exatamente para que esta e tantas outras ditas "reformas" alinhadas aos anseios de uma pauta econômica deletéria da efetivação de um projeto de nação baseado em solidariedade, igualdade e respeito à dignidade humana se efetivassem.

Fiquemos, pois, atentos aos próximos passos, para termos a certeza sobre o caminho que o STF está mesmo disposto a percorrer. 

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