Edição: Kaco Bovi
Personalidades de diversos postos jurídicos, autoridades, professores, estudantes, jornalistas tomaram o Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP (11/08) para assistir uma homenagem a três ministros do Supremo Tribunal Federal (dois professores e um antigo aluno da FDUSP), que receberam a Medalha Armando de Salles Oliveira, a maior honraria concedida pela Universidade de São Paulo. Foram agraciados os docentes Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes; e Celso de Mello.
Ao abrir os trabalhos, o diretor da FDUSP, Celso Campilongo, acentuou a alegria da destinação a três personalidades oriundos da SanFran, que fizeram história em defesa da democracia. “É difícil apontar quais as razões que fazem o STF ter assumido papel tão importante, principalmente nos últimos tempos. Em primeiro lugar, podemos dizer que esse papel central se deve, nos últimos anos, em larga escala ao recrudescimento dos autoritarismos. Tem cabido ao Supremo combater essas manifestações autoritárias”, disse. Em segundo lugar apontou a explosão dos discursos intolerantes, dos discursos de ódio; em terceiro, o fato de ter assumido a relevância numa sociedade assimétrica. “Os três ministros têm carreira exemplares no combate ao autoritarismo e aos discursos de ódio”, disse.
Durante as apresentações de motivos, o professor José Marcelo Proença, autor da proposta juntamente com o professor Eduardo Vita Marchi, fez a exposição da indicação do ministro Celso de Mello. “Para bem destacar os reais motivos e o reconhecimento do ministro de Mello, vou citar a fala de Mello quando da escolha da ministra Ellen Gracie para o STF, em que ressaltou: ‘O ato de escolha de uma mulher como ministra do STF – além de expressar a celebração de um novo tempo – tem o significado de verdadeiro rito de passagem, pois reafirma, de modo positivo, na história judiciária do Brasil, uma clara e irreversível transição para um modelo social que repudia a discriminação de gênero ao mesmo tempo em que consagra a prática afirmativa e republicana da igualdade!’", descreveu.
Na manifestação do docente Heleno Torres, para Lewandowski, foram muitos os elogios. “Este grande professor, mais do que tudo, não tem apenas o respeito de seus pares, tem o respeito de seus alunos”, afirmou. “Alguns dos alunos, talvez, não saibam quantas decisões tomadas por ele foram importantes para suas vidas”, adicionou, citando as cotas de acesso ao ensino universitário. “Uma legislação importantíssima que garante o cumprimento de uma série de instruções e de afirmações de direitos fundamentais.” Acrescentou as audiências de custódia: “um dos programas mais importantes considerados pela ONU de proteção aos direitos fundamentais”.
Fernando Facury Scaff tomou a tribuna para expor as razões pelas quais propôs a homenagem ao professor e ministro Alexandre de Moraes. Pontuou sua fala em três partes, mostrando aspectos do homenageado. A primeira, do Acadêmico, formado em 1990, na SanFran. Na sequência, a carreira jurídica desde a Secretaria de Justiça no Estado, passando a ser ministro da Justiça, até o Supremo. Em terceiro, o trabalho do magistrado nos últimos anos. E destacou a missão de observação eleitoral da USP, coordenada por Facury, em 2022, juntamente com outros docentes. “Tanto no primeiro quanto no segundo turno, toda a conduta para a coordenação eleitoral se deu de maneira totalmente correta, ímpar, imparcial de todo o processo eleitoral”, afirmou, ao ressaltar o trabalho exercido por Moraes no TSE.
Os homenageados
Primeiro a falar entre os agraciados, Lewandowski ressaltou que a medalha coroa seus 45 anos de docência na Faculdade de Direito. E citou Max Weber. “Creio que nós três, cada qual a seu modo, procuramos conciliar duas vocações que Weber julgava inconciliáveis: a vocação para a ciência e a vocação para a política. A ciência tem uma ética própria que é a ética da racionalidade e da objetividade, que não se compatibiliza com a ética da política, que é a ética da responsabilidade, da busca da concretização de valores e de princípios subjetivos. Nós sempre procuramos atuar com a maior objetividade possível na análise fria da lei, da Constituição, mas lembrando que essa análise também precisa ser emotiva, pois o magistrado precisa ter, antes de mais nada, compaixão com o próximo”, explicou o ministro Lewandowski em seu discurso.
Quis o destino que eu, Alexandre e, também, Celso de Mello, estivéssemos juntos na mais alta corte do País, num momento de enorme dificuldade. Todos nós tínhamos certeza de que, após a Constituição de 88, a democracia estaria totalmente consolidada. Ledo engano. Infelizmente, porque as ameaças graves contra a democracia logo vieram à tona e se fizeram presentes. Mas lutamos, tenazmente, para que o Estado Democrático de Direito pudesse subsistir para que as instituições republicanas não sofressem nenhum abalo e para que os direitos e garantias da pessoa humana pudessem ser reafirmadas, confirmadas, sobretudo nos casos em julgamento.
Ao receber a medalha, Moraes enalteceu o dia 11 de agosto, data significativa para a Justiça brasileira. Acentuou a luta na defesa da democracia dos homenageados. "O que nós três temos em comum são as características como a defesa incansável da democracia. Temos a erradicação a qualquer forma de discriminação em comum", assinalou.
De acordo com o docente, os três tiveram como propósito a reafirmação dos direitos humanos e o combate à corrupção, necessários para estabelecer a permanência do estado democrático de direito. “(Agimos no) combate à corrupção que corrói a democracia. Por isso, é uma honra ser reconhecido pela minha Universidade; exemplo para São Paulo, para o Brasil e para a América Latina”, afirmou.
Coube ao magistrado ler a manifestação do ministro Celso de Mello (leia aqui ou abaixo), que não pôde comparecer à cerimônia. Em seu texto, Mello não apenas agradeceu a homenagem como ressaltou o orgulho por ser antigo aluno das Arcadas.
Por sua fala, o Reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Jr, lembrou no dia 11 de agosto de 2022, aconteceu na Faculdade de Direito o Ato em Defesa da Democracia e do sistema eleitoral brasileiro. “Vivíamos um momento turbulento, em um País dividido e polarizado. Algumas ameaças nos espreitavam. Mas não venceram. O Brasil virou o jogo. A normalidade venceu. Agora, estamos aqui para celebrar a coragem e a virtude cívica de três personalidades que representam a defesa do Estado Democrático de Direito”, enfatizou.
Completaram a composição da mesa, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira; a vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda; e a secretária-geral Marina Helena Cury Gallottini.
Entre os presentes, vários docentes da FDUSP, a vice-diretora, Ana Elisa Liberatore Bechara; secretários de Estados e do município e representantes do sistema judiciário.
Discurso do ministro Celso de Mello
As Arcadas, minha "alma mater", mais do que um lugar, representam, para mim, verdadeiro estado de espírito!
O ingresso na Academia de Direito do Largo São Francisco, além de traduzir enorme privilégio para quem tem a honra dessa conquista, reveste-se de altíssimo significado simbólico, pois, no solo sagrado das Arcadas, historicamente sempre floresceram e assim têm sido permanentemente cultuados e preservados o espírito da liberdade e o respeito pela democracia!
O "espírito das Arcadas" não sofre solução de continuidade! Envolve as gerações de ontem, de hoje e de sempre!!! Elas, as Arcadas, exprimem o indelével sentimento de perenidade...
Esse "espírito das Arcadas" traduz o signo luminoso de nossa identidade comum, o vínculo poderoso que nos transforma, historicamente, em uma comunidade concreta sob a égide dos valores comuns da liberdade, da democracia e do respeito ao Direito e que conferem identidade e homogeneidade ao nosso sentimento de "pertencimento", à nossa percepção de que integramos, orgulhosamente, um ente místico impregnado de atemporalidade, que reflete, aqui e agora, todos os momentos que compõem o itinerário histórico de nossa "alma mater"...
São os vultos do passado (e também do presente) que nos inspiram nessa jornada mágica pelos caminhos da vida pessoal, acadêmica e profissional: Castro Alves, Fagundes Varela, Álvares de Azevedo, José Antonio Pimenta Bueno (Marquês de São Vicente), Lafayette Rodrigues Pereira (Conselheiro Lafayette ), Barão de Ramalho, Visconde de Ouro Preto (o último Presidente do Conselho de Ministros do Império), Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, Ruy Barbosa, José Bonifácio, O Moço, Barão do Rio Branco, João Mendes Jr., Raul Pompeia, Joaquim Nabuco, Affonso Penna, Campos Salles, Rodrigues Alves, Prudente de Morais, Dino Bueno, Washington Luis, Arthur Bernardes, Wenceslau Braz, Bernardo Guimarães, Pedro Lessa, Reynaldo Porchat (que foi o primeiro reitor da USP no período 1934-1938), Oswald de Andrade, Cincinato Braga, Spencer Vampré, Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia, Monteiro Lobato, Miguel Reale e Goffredo da Silva Telles Jr (ambos meus professores e vultos inspiradores e inesquecíveis dos tempos acadêmicos) e os 13 presidentes da República (entre eleitos ou empossados) que passaram pelas Arcadas do Largo de São Francisco, concluindo-as ou não, entre tantos outros vultos notáveis de nosso país!
Orgulho-me de ser um dos sete únicos alunos graduados pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da USP, a ascender ao cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal, Chefe nominal de um dos Poderes da República!
A outorga da Medalha "Armando de Salles Oliveira" — que ostenta o nome ilustre e respeitável do fundador dessa magnífica e monumental instituição universitária que é a USP — constitui a mais alta honraria concedida pela Universidade de São Paulo, o que representa, para mim, motivo de sumo privilégio, por revestir-se tão insigne distinção de imensa significação, de incomensurável relevo, notadamente porque conferida pelo Egrégio Conselho Universitário da USP, que acolheu proposta formulada pela douta Congregação da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, atendendo a uma generosa iniciativa emanada dos doutores Marcelo Proença e Eduardo Cesar Silveira Vita Marchi, ambos eminentes professores das Arcadas.
Existem algumas passagens inesquecíveis em nossas vidas que marcaram profundamente a minh'alma! Uma delas é a Academia de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo, minha "alma mater", cuja memória está gravada para sempre em meu espírito e que guardarei, eternamente, em minha saudade — saudade imensa dos tempos felizes em que, vindo de minha querida Tatuí, interior de São Paulo, minha terra natal, tive o privilégio de cruzar os umbrais da Faculdade, de viver a experiência maravilhosa dos bancos acadêmicos e de penetrar na intimidade e no recinto histórico e sagrado das Arcadas, de nossa"“Velha e sempre nova Academia"!
"ARCADAS"!!! Território povoado de sonhos, solo fértil e generoso onde sempre floresceu a liberdade! E também a alegria e a amizade, como nos relembram, através das gerações que se sucedem, as nossas Trovas Acadêmicas!
Espaço místico de beleza, de poesia, de sombras e de luz! A "Velha e sempre nova Academia de São Paulo"…
O Território livre do Largo São Francisco, "alma mater" de gerações de estudantes que souberam eternizar e honrar, ao longo de quase 200 anos, o espírito da Academia, movidos pelo desejo de manter vivos e ardentes, em seus corações, em nossos corações, o culto ao Direito e o amor pela Justiça!
Como poeticamente se expressou um de seus antigos Alunos, Pedro de Oliveira Ribeiro Netto, "Que o teu nome sempre, minha Faculdade, / É a melhor das rimas para Liberdade, / É a melhor das chamas para o Altar da Glória"!
Finalmente, quero expressar, uma vez mais, a honra profunda pela outorga da Medalha "Armando de Salles Oliveira" e agradecer o privilégio que me concedeu o ministro Alexandre de Moraes, eminente Professor desta Augusta Casa, de representar-me, ante minha impossibilidade física de aqui comparecer, para, em meu nome, receber tão distintíssima honraria que me conferiu o Egrégio Conselho Universitário da USP!
Muito obrigado!
Celso de Mello
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