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A ameaça de ações indenizatórias como forma de censura

Ronaldo Porto Macedo Junior, Professor Titular de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP

 

Artigo escrito, originalmente, para o Jornal O Globo

 

A história da liberdade de expressão no Brasil é relativamente curta e marcada por percalços e ambiguidades. Um dos pontos salientes dessa ambiguidade está relacionada à interpretação sobre os limites admitidos para a censura. Hoje em dia é reconhecida a inconstitucionalidade da censura prévia. Mas e a censura posterior? Estaria ela, a contrario sensu, admitida? Não seria a ameaça de ações indenizatórias uma forma de silenciamento equivalente à censura?

Alguns textos legais brasileiros, como a Constituição de 1937, mantiveram nominalmente a garantia da liberdade de expressão, ao mesmo tempo em que instituíam a censura prévia. Em seu artigo 15 estava prescrito que: "Todo cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento, oralmente, ou por escrito, impresso ou por imagens, mediante as condições e nos limites prescritos em lei. A lei pode prescrever: a) com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da radiodifusão, facultando à autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou a representação".

A Lei de Imprensa (Lei 5.250/67) também criava várias formas de censura, dentre elas a censura prévia. No mesmo sentido dispunha o Decreto-Lei nº 1.077 de 26 de janeiro de 1970 baixado pelo presidente Garrastazu Médici que regulamentava a censura prévia a livros e periódicos. A partir daí, censores se instalariam nas redações de jornais e revistas e competiria a eles decidir o que poderia ou não ser publicado. A imprensa nanica ou alternativa passou a ser obrigada a enviar os textos que pretendia publicar para a Divisão de Censura do Departamento de Polícia Federal, em Brasília, para exame prévio.

Este decreto lei regulamentava o Parágrafo 8º do artigo 153 da Constituição Federal de 1967 que, ainda que mais uma vez garantisse formalmente a liberdade de expressão, estabelecia séria restrição a ela, em particular com relação a diversões, espetáculos públicos e publicações "que contivessem propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de religião, de raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes".

A Constituição democrática de 1988 veio a enunciar o direito à liberdade de expressão de maneira ampla, sem fazer qualificações ou proibir apenas da censura prévia e não a outras formas de censura, ou seja, vedou qualquer tipo de censura. O texto constitucional dispôs de maneira direta que: "Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. § 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística".

Com base neste claro fundamento constitucional, o STF, em julgamento ocorrido em 2009, declarou a inconstitucionalidade da Lei de Imprensa (ADPF 130/2009), rejeitando a possibilidade de ocorrência da figura da censura prévia prevista naquela lei. Em diversas passagens do acordão relatado pelo Ministro Ayres Brito, inclusive em sua ementa, foi reconhecida a "plena liberdade de imprensa como categoria proibitiva de qualquer tipo de censura prévia". Repetiu-se a exaustão que a censura prévia estava banida de nosso sistema jurídico. "Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, sob pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica."

A grande questão que ainda não recebeu uma resposta clara da doutrina e da jurisprudência brasileira se refere, contudo, à "censura posterior", ou outras formas de censura que não sejam prévias. Seria correto afirmar que no Brasil, apesar de não ser viável a censura prévia, todos estariam sujeitos a arcar com todas as consequências de suas falas, inclusive penal e civilmente? Mas quais consequências seriam essas? Aquelas que causaram danos? Apenas aquelas que causaram danos ilícitos? Mas quais seriam os danos ilícitos ou ilegítimos? Seriam meramente todos aqueles previstos em lei? Mas e se as leis contivessem dispositivos atentatórios à liberdade de expressão, tal como foi reconhecido no julgamento da ADPF 130? Não seriam algumas dessas consequências que atualmente dão ensejo a ações indenizatórias uma estratégia de silenciamento, "de embaraço a livre expressão" e, como tal, uma forma potencial de censura?

É interessante que o próprio julgamento da lei de imprensa fez menção a algumas dessas consequências que poderiam responsabilizar a posteriori os autores de manifestações públicas da imprensa. Mais uma vez, nas palavras do Ministro Ayres Britto em seu famoso e longo (334 páginas) voto: "Logo, não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. As matérias reflexamente de imprensa, suscetíveis, portanto, de conformação legislativa, são as indicadas pela própria Constituição, tais como: direitos de resposta e de indenização, proporcionais ao agravo; proteção do sigilo da fonte ('quando necessário ao exercício profissional'); responsabilidade penal por calúnia, injúria e difamação; diversões e espetáculos públicos; estabelecimento dos 'meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente' (inciso II do § 3º do art. 220 da CF); independência e proteção remuneratória dos profissionais de imprensa como elementos de sua própria qualificação técnica (inciso XIII do art. 5º); participação do capital estrangeiro nas empresas de comunicação social (§ 4º do art. 222 da CF); composição e funcionamento do Conselho de Comunicação Social (art. 224 da Constituição). Regulações estatais que, sobretudo incidindo no plano das consequências ou responsabilizações, repercutem sobre as causas de ofensas pessoais para inibir o cometimento dos abusos de imprensa." E outra passagem do mesmo voto, foi reconhecido também que as "regras concernentes à proteção dos direitos à integridade moral e à preservação da intimidade, da vida privada e da imagem das pessoas" constituem um limite ao direito, não absoluto, à liberdade de expressão.

Deixo de lado a questão do direito de resposta, porquanto não envolve imposição de censura, e as responsabilidades criminais e civis decorrentes dos crimes conta a honra (calúnia, injúria e difamação), visto que constituem hipóteses de limitação do âmbito da liberdade de expressão em quase todas as jurisdições do mundo (ainda que com diferenças significativas e muito relevantes conforme o país), para focar minha atenção na responsabilidade civil ou indenizatória.

Seria correto afirmar, como muitos acreditam e proclamam, que ninguém pode ser censurado previamente de expressar suas opiniões, devendo, contudo, ser responsabilizado na hipótese de que suas ideias causarem (fora das hipóteses de crime contra a honra) dano ou ofensa a terceiros? Não seria a latitude desta responsabilização uma perigosa abertura para a admissão de uma outra forma inconstitucional de censura? Acredito que sim.

Esta questão estava no centro de uma das mais famosas decisões da Suprema Corte Americana, New York v. Sullivan (1964), citado sete vezes no voto que reconheceu a inconstitucionalidade da lei de imprensa na ADPF 130/2009. Naquele precedente americano, já comentado nesta coluna, ("Autoridades públicas não podem ser difamadas? Justo elas?") foi reconhecida uma profunda mitigação da responsabilidade civil da imprensa decorrente da veiculação de informações ofensivas ou danosas à imagem e reputação de terceiros. Ficou assentado no precedente que: "A garantia constitucional requer, pensamos, uma regra federal que proíba a autoridade pública de ser recompensada por danos por uma falsidade difamatória relacionada à conduta da autoridade, a menos que ele prove que a afirmação foi feita com malícia real ('actual malice') ? isto é, com o conhecimento de que era falsa ou com desrespeito imprudente ('reckless disregard') sobre ser ela era falsa ou não." Desta forma, segundo aquele importante precedente, não basta a ocorrência do dano à imagem, nem a veiculação de mensagem ofensiva a valores abstratos como a dignidade humana ou outro valor fundamental, sendo exigido o dano individual causado em razão de falta da parte do agente da imprensa.

Este ponto é de extrema relevância, visto que admitir a possibilidade da veiculação de ideias, sem censura prévia, mas sob a forte ameaça e risco da imposição de pesada responsabilização civil, constitui uma forma eficaz e antidemocrática de silenciamento. Como tal, ela configura uma forma de censura, visto que eleva muito os riscos pessoais e patrimoniais daqueles que se aventuram a expressar ideias e opiniões que desagradem terceiros, em particular, as pessoas poderosas e capazes de agilmente acionar os recursos judiciais e ingressar com ações por danos.

Em síntese, a conclusão é a de que a Constituição Federal não proibiu apenas a censura prévia, mas sim, a censura em geral. A censura não se manifesta apenas na forma da censura prévia, mas também mediante a aceitação de mecanismos de silenciamento e desincentivo à livre manifestação de ideias. A falta de clareza conceitual e jurídica sobre os limites dessa responsabilização impõe um risco elevado e ameaça constantes à liberdade de expressão, assim constituindo uma forma inconstitucional de censura. O longo voto contido na ADPF 130, apesar de muitas vezes tocar nessas questões, não foi capaz de gerar uma decisão consensual e clara que pudesse dar garantias e tranquilidade sobre estes limites, a exemplo do que foi capaz de fazer a decisão New York v. Sullivan. Para que a prática jurídica não venha a coonestar formas de censura "ex post" e silenciamento pela via das ações indenizatórias, faria bem o nosso judiciário analisar melhor e esclarecer os seus limites, em particular nas ações indenizatórias que constrangem ilegitimamente a liberdade de imprensa. Afinal, a falta de clareza quanto ao que se pode falar sem ser processado já não é uma forma de censura?

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