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"Tem de haver essa resistência, o tempo inteiro, contra a exclusão"

Edição: Kaco Bovi

 

Ações de incentivo e de luta permanente para manter o sentido de igualdade, tanto no setor público quanto no privado e nas esferas do poder em um país machista, pautaram painel sobre “Diversidade e inclusão: diagnósticos e desafios da representatividade”, no encontro anual da Rede Women in Antitrust, no Auditório Ruy Barbosa Nogueira da Faculdade de Direito da USP.

As palestras foram proferidas por Isabela Guimarães del Monde (Gema Consultoria e deFEMde), Angel Vasconcelos (iFood), e Sheila Neder Cerezetti, professora de Direito Comercial e coordenadora do Grupo de Pesquisa e Estudos de Inclusão na Academia (GPEIA) da FDUSP, em mesa mediada pela vice-diretora e docente de Direito Penal da SanFran, Ana Elisa Liberatore Bechara, que também compôs a abertura dos trabalhos.

 

Políticas de permanência

De acordo com Isabela, não é mais possível sustentar a ideia de que basta colocar as pessoas nas instituições se não há mecanismos de garantia de permanência e de ascensão dentro das organizações e das universidades. “Não adianta a gente ter o sistema de cotas, se não tem políticas de permanência para alunos. Isso vai ocasionar evasão. Causa uma ideia de que não funciona incluir”, observou.

Nessa linha ressaltou a existência de uma armadilha, justamente para não dar certo. “Aí, você diz: ‘Está vendo? não adianta incluir! Você coloca uma mulher e ela não aguenta o tranco!”, assinalou, ao dizer que tentam associar a saída das mulheres à fraqueza. “(as mulheres) São maioria numérica, socialmente excluída”, acrescenta.

Como forma de contribuição e combate ao sistema informou sobre a criação de cartilha, que destaca hábito de como lidar com assédio, principalmente para as pessoas que vão lidar com autoridades. E ressaltou que o trabalho deve ser pautado com um olhar intersecional, incluindo classe social, origem geográfica, religião e tantas outras questões.

Ressaltou ainda que deve haver um canal de escuta, porque se trata de uma mudança de cultura, não de punição. “Tem de ser de responsabilização a quem cometeu o ato; e de acolhimento daquela pessoa que foi atingida”.

E adicionou que muitas mulheres deixam o trabalho, uma renda, tendo prejuízo profissional, para não continuar num ambiente opressivo.

 

Dificuldades

Coordenadora do GPEIA, Sheila Neder aproveitou para contar sobre a pesquisa desenvolvida pelo grupo, com base nas estruturas machistas existentes em ambiente de ensino jurídico e os potenciais impactos no ambiente de trabalho.

“Após a divulgação dos resultados desse levantamento houve sintonia entre o que acontece aqui (na FDUSP) e nas demais instituições no mundo”, disse. Ao apontar alguns dados coletados dentro da própria Faculdade, assinalou os problemas encontradas para o crescimento feminino na instituição. “A primeira mulher que estudou aqui foi em 1898, mas o ingresso de mulheres, depois, foi muito lento. A primeira professa foi Esther de Figueiredo Ferraz, em 1948, e a primeira professora titular foi Nair Gonçalves, em 1960. Também, primeira e única mulher negra é Eunice Prudente; e a primeira e única diretora, Ivette Senise Ferreira. Ou seja, existe uma conquista muita lenta nesse espaço. Além disso, os dados demonstram que essa inserção não é permanente, nem constante, nem progressiva, especialmente quando se fala no quadro de docentes”, realçou.

Adiante, salientou que o resultado da pesquisa virou livro publicado pela Unesco, sob o título “Interação de gênero nas salas de aula da Faculdade de Direito da USP, um currículo oculto”.

 

Luta de infância

Por sua fala, Angel Vasconcelos contou parte da história de luta desde a infância. “Fui uma criança confusa porque nasci negra de pele clara em uma família retinta. Eu tinha de encontrar um caminho”, disse.

Conforme relatou, aprendeu a navegar bem para gerar as coisas que queria. “Quando comecei, com 16 anos, passei em um exame seletivo. E quando cheguei para trabalhar sofri com um machismo existencial logo no primeiro dia”. A partir daí, ela decidiu que teria de se fortalecer. “A gente está muito longe da equidade racial, mas já vê iniciativas acontecendo. Coisas que não acontecia. Foram muitos e muitos anos de solidão racial. Até que o momento feminista me despertou e comecei a reivindicar. Levei muitos tapas na cara. Só fui começar a ser ouvida quando as mulheres brancas passaram entender que, embora elas sofressem, as negras sequer existiam naqueles espaços”.”

Focou também em seu papel na sociedade em busca de conectar ilhas isoladas. “Ou seja, convidar pessoas brancas a serem antirracistas. Somente assim o racismo vai acabar”. E contou o trabalho feito para conseguir incluir mais pessoas negras no mercado de trabalho.

 

Território de exclusão

Ana Elisa asseverou o fato de estar em um painel tão importante e difícil, para falar de diversidade, dentro de um território de exclusão: “Esse é o paradoxo, o grande desafio”. E observou que, quando se trata da diversidade, não é só a questão de gênero, mas a étnico-racial e muitas outras. “O fato é que somos sobreviventes. As mulheres, os negros...”.

Ressaltou a importância de se colocar o assunto na mesa, sobre a existência de cartilhas, e do trabalho conjunto. E falou de um grupo de meninas que as procuraram (ela e Sheila) para criar o Núcleo de Expressão Feminina (NEF). “A gente quer criar um grupo, para aprender a falar. A gente não consegue se expressar em sala de aula, somos silenciadas pelos homens”, contou.

Assinalou seu otimismo, sustentou os cuidados a serem tomados diariamente, pois não existem conquistas estáveis. “Tem de haver essa resistência, o tempo inteiro, contra essa exclusão”, disse, acrescentando as realizações para toda a instituição, advindas com o sistema de cotas, deixando claro que esses alunos têm uma luta diária para conseguir se manter nos estudos e no trabalho, pois não tiveram e não têm as mesmas oportunidades que os brancos advindos de boas classes sociais.

“O aluno cotista faz um esforço monstruoso para sobreviver. Eles têm tempo para fazer pesquisa? Não! Precisam trabalhar”, finalizou.

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