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Importação de lixo trava avanço do país na agenda sustentável

Patricia Iglecias, professora no Departamento de Direito Civil e superintendente de Gestão Ambiental da USP

 

Artigo, orginalmente, escrito para o Portal Poder 360

 

Vivemos um momento crucial, no qual é imperioso encontrar soluções que levem ao desenvolvimento de projetos e atividades voltados a uma economia de baixo carbono. Cuida-se de um aprimoramento do sistema econômico que envolve o design, a produção, a comercialização e a logística reversa dos produtos para garantir o uso e a recuperação inteligente dos recursos naturais. São pequenas ações que representam grandes mudanças e que serão primordiais para que o Brasil possa cumprir os compromissos de redução da emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE), assumidos no Acordo de Paris. Entretanto, isso somente será possível se houver a máxima recuperação de matérias-primas, utilizando os meios mais eficientes.

Nesse sentido, é preciso compreender que o aterramento nos padrões hoje praticados não é a solução mais indicada para promover a economia circular. As perdas no aproveitamento de material reciclável, de energia e de insumos para o solo mostram que se trata de solução paliativa equivalente a “jogar a sujeira para baixo do tapete”. Tanto é assim que a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) é clara ao determinar que somente os rejeitos deveriam ser dispostos em aterros.

Mesmo que feita no ponto de destinação, a segregação tem baixo aproveitamento dos resíduos que estão misturados, o que torna a geração de energia a partir da sua decomposição ineficiente, pois a biodigestão não é otimizada e há ainda a fuga de metano para a atmosfera – 28 vezes mais gerador de efeito estufa que o CO2.

Se faz urgente a superação das barreiras que impedem o aumento da demanda por material reciclado e energia de resíduos, capazes de impulsionar todos os negócios na cadeia de economia circular, especialmente as cooperativas de profissionais da reciclagem.

Os números da reciclagem no Brasil têm mostrado que nossos esforços ainda são insuficientes para o necessário avanço rumo à circularidade. Tomemos como exemplo o estado de São Paulo, um dos mais ativos na implementação da logística reversa justamente porque a tem como exigência vinculada ao licenciamento no âmbito da CETESB. A despeito da significativa ampliação do número de empresas incluídas em planos de logística reversa, de um total de 1.276 empresas aderentes instaladas no estado no final de 2018 para 5.710 em 2022, tal expansão não logrou incentivar o aumento da reciclagem. O resultado pífio no estado mais industrializado do país reflete-se na nação: segundo dados da ABRELPE, apenas 4% do total de resíduos sólidos que poderiam ser reciclados efetivamente o são, o que gera uma perda anual da ordem de R$ 14 bilhões. 

Importante lembrar que a PNRS prevê, no âmbito da responsabilidade pós-consumo, a priorização da inserção das cooperativas de catadores e sua profissionalização, de forma que haja uma redução paulatina até que não haja mais o envio para lixões, ou mesmo para aterros, de resíduos que poderiam ter uma destinação adequada.

Outro ponto a ser considerado é o impacto positivo da reciclagem: os resíduos contêm matérias-primas secundárias valiosas e sua comercialização tem efeitos benéficos para a economia, e para a inclusão produtiva dos quase 1 milhão de profissionais da reciclagem no país.

Entre os possíveis fatores que podem ser apontados como prejudiciais ao avanço da reciclagem no país está a importação de resíduos para a composição de novas embalagens, o que se dá sem uma mensuração acerca dos impactos socioambientais indiretos, vale dizer, emissões de GEE no transporte, além da competição predatória com as cooperativas.

Na verdade, enquanto for “aparentemente” mais barato importar dificilmente haverá aumento de reciclagem no país. Faz-se referência a tal expressão entre aspas porquanto, ao que parece, há um desvio em relação à aplicação do princípio do poluidor-pagador, com a privatização do lucro e a socialização de prejuízos e danos.

Assim, é razoável concluir que a priorização da inserção dos catadores nessa cadeia depende da internalização da cifra que a importação de resíduos oculta para produção de novas embalagens. Com a importação, as cooperativas lidam com a desvalorização do preço da matéria-prima nacional triada, que acaba não circulando. Na prática, o mercado é afetado e tais resíduos, que foram separados pelo consumidor e recolhidos por cooperativas ou mesmo pelo titular de serviços de limpeza em parceria com cooperativas, terminam em lixões ou aterros, desatendendo os parâmetros de ecoeficiência trazidos pela legislação vigente e impedindo a estruturação da cadeia de logística reversa, reciclagem e geração de energia a partir de resíduos no Brasil.

Por outro lado, a importação atrapalha a rastreabilidade já que não há dados claros do ciclo de vida dos importados antes do ingresso em nosso país. Assim, perde-se uma ferramenta relevante para o acompanhamento e o controle do gerenciamento dos resíduos sólidos ao longo de toda cadeia produtiva, garantindo o cumprimento das metas planejadas e a extensão ao máximo da vida útil também dos resíduos.

Com o intuito de fortalecer a cadeia nacional de reciclagem de resíduos sólidos, em setembro de 2023 o Comitê-Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) cessou a desoneração do Imposto de Importação para resíduos de papel e vidro, estabelecendo as alíquotas em 18%. O mesmo percentual foi definido para os resíduos plásticos, os quais possuíam uma alíquota de 11,2%.

A mudança é fruto do trabalho levado a cabo por um grupo técnico (GTT) criado por meio da Portaria n.º 22, de 05 de julho de 2023, da Secretaria-Geral do governo federal, com o intuito de subsidiar a atuação do Comitê Interministerial para Inclusão Socioeconômica de Catadores e Catadoras de Material Reutilizável e Reciclável – CIISC.

A importação de resíduos tem sido um tema controverso em vários países e o Brasil não é exceção. Segundo os dados levantados pelo GTT houve um “crescimento das importações brasileiras de resíduos de papel, plástico e vidro entre 2019 e 2022. Nesse período, as compras externas de resíduos de papel e vidro subiram respectivamente 109,4% e 73,3% e as operações envolvendo o ingresso no país de resíduos plásticos apresentaram elevação de 7,2%.

Os resultados são atribuídos à baixa tributação, que permitiu – e ainda permite – a importação de resíduos por um valor mais baixo do que aqueles gerados no Brasil, desestimulando como dito a reciclagem e impactando o segmento dos catadores. O recente aumento, no entanto, não se mostrou suficiente para impedir a concorrência desleal dos resíduos importados. Assim, se queremos avançar em matéria de sustentabilidade, é preciso considerar a proibição de importação de resíduos como medida não apenas ambiental, mas também econômica e social.

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