Calixto Salomão Filho, professor titular de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP
Recentemente, durante a COP26, publiquei artigo advertindo para os riscos de resultados pífios na conferência, em ausência de disposição para transformar as estruturas econômicas.
Acertei não por qualquer capacidade preditiva especial mas pela obviedade da análise. O pensamento com base em interesses egoístas por parte de empresas governos e mesmo indivíduos era e é previsível, pois são as estruturas econômicas que influenciam esse comportamento.
Pergunta-se: como é possível a descarbonização funcionar se o mercado de compensações criado pelos créditos de carbono influencia exatamente que uns esperem os outros terem iniciativas ambientais positivas? As compensações aqui além de não mudarem as estruturas influenciam o "free riding" ambiental entre empresas poluidoras e empresas ambientalmente corretas, levando a resultados insuficientes. Como na vida real, compensações não alteram mas apenas mantém os rumos da vida e da atividade econômica.
Outras iniciativas tecnologicamente promissoras esbarram também em problemas estruturais de funcionamento do sistema econômico. É o caso da geoengenharia solar, espécie de capa protetora da terra com o calor. Tecnologicamente e economicamente viável, ele cria o seriíssimo risco de ser sobre utilizada por alguns países (que podem ter condições tecnológicas e econômicas melhores para fazê-lo) e não ser utilizada por outros.
Os resultados seriam então potencialmente mais catastróficos do que se nada fosse feito, podendo gerar secas terríveis se não realizados de forma cuidadosa e global.
Aqui o comportamento individualístico, chamado de free driving (conceito introduzido pelo famoso economista do meio ambiente Martin Weitzman - A voting architecture for the governance of free driver externalities with application to Geoengineering), diferentemente do anterior (free riding), leva não à inação, mas ao aumento individual da produção ou das ações individuais sem consideração do interesse da coletividade (aqui a totalidade dos países).
Ambos feitos de forma descoordenada e não cooperativa podem levar a consequências catastróficas para a humanidade (externalidades negativas intensas e catastróficas).
Ambos decorrem de um sistema econômico - jurídico dominado por grandes estruturas econômicas apoiadas pelos respetivos Estados de origem dispostas, a no máximo, compensações e não a implementar transformações estruturais.
Soluções estruturais como adverti no artigo anterior podem parecer mais amargas mas são necessárias para salvar o planeta. É possível mencionar algumas.
A primeira consistiria em aplicar e melhor desenvolver disciplina de bens comuns para recursos e bens ambientalmente sensíveis dominados por grandes estruturas econômicas.
Isso implicaria fazer participar de gestão dos referidos bens e também da fruição dos recursos naturais por eles produzidos comunidades por eles afetadas e interessadas em sua conservação.
Como bem demonstrou E. Ostrom em seu trabalho premiado (Prêmio Nobel de Economia) essa solução não só é teoricamente factível como leva a bons resultados na prática econômica.
Evidentemente isso representa uma transformação estrutural mas não é suficiente para fazer frente à grandiosidade da mudança que será necessária para impedir um aquecimento global excessivo. Assim é necessário deixar de lado a ideia de que os mercados são promotores de (no máximo) compensações e entender que eles podem e devem, se bem regulados, ser promotores de transformações estruturais.
Um exemplo (apenas um exemplo - não uma panaceia) dentro das várias iniciativas que precisam ser imaginadas), ao qual já me referi em trabalhos anteriores (Inclusion Gains in Markets for Scarce Products) são os mercados indutores de "screening positivo" de empresas e produtos.
Criar em bolsas de valores segmentos especiais que listem apenas empresas realmente protetoras do meio ambiente (de impacto nulo ou positivo no ambiente) tem a capacidade de gerar uma "corrida para o positivo", com fundos de investimento e investidores em geral passando crescentemente a investir apenas naquelas empresas.
No limite, se bem regulado e autorregulado, pode levar ao desaparecimento dos free riders ambientais, que ficariam expostos em tais "novos mercados de impacto positivo".
O mesmo pode-se dizer em relação à criação de "novos preços" para os produtos em termos ambientais e também sociais. Ao lado do valor econômico ou "valor utilidade" dos produtos expostos no preços tradicionais, criar um "preço ambiental", e um "preço social" ou seja uma medida da destruição ambiental e da penúria social causado por cada produto (aqueles oriundos de trabalho escravo por exemplo).
Assim os consumidores ficariam também expostos à escolha de pagar um preço econômico atraente sabendo que com isso gerariam um preço ambiental alto e ou preço social alto. Além de influenciar a escolha dos consumidores, essa alternativa seria capaz de justificar intervenções regulatórias ou tributárias, gerando penalidades ou restrições à comercialização de produtos que recorrentemente implicassem preços em sentidos diversos (baixo preço econômico baixo mas alto preço ambiental por exemplo).
Obviamente uma tal solução só é factível em presença de certificação estatal ou global confiável capaz de atestar com veracidade e sem marketing os verdadeiros efeitos ambientais e sociais dos produtos. Assim a construção regulatória e autoregulatória desses mercados é fundamental.
Em conclusão, soluções tecnológicas não serão suficientes para afastar-nos da "marcha para o precipício" mencionada pelo secretário Geral da ONU na abertura da COP26. A "destruição criativa" dos monopólios de Schumpeter ameaça-nos mais com destruição do que com criação em matéria ambiental.
É preciso que o direito e as ciências sociais em geral participem e sejam ouvidas no debate, sugerindo e oferecendo saídas colaborativas para que novas ou antigas tecnologias possam ser implementadas e repartidas, sem individualismo, "free riding" ou "free driving".