Durante balanço crítico da Operação Lava Jato, em evento realizado na Faculdade de Direito da USP, estiveram em debate as principais perspectivas sobre os impactos jurídicos, geopolíticos e midiáticos para a história do Brasil. O professor Maurício Dieter, Direito Penal da FDUSP (área de criminologia), organizador do encontro que reuniu diversos especialistas em torno do tema, ressalta tratar-se de uma operação impossível de se entender fora da sua determinação política.
Desencadeada a partir de 2014, teve como objetivo investigar estratégias de lavagem de dinheiro e desvio de recursos públicos na política nacional. Ao longo do período foram cumpridos mais de mil mandados de busca e apreensão, prisões temporárias e preventivas, condução coercitiva, entre outras questões envolvendo esquema de corrupção.
Dieter assinala que essa determinação política, neste caso, ultrapassou os interesses imediatos da economia brasileira e da soberania nacional. Do ponto de vista criminológico, a Lava Jato foi um desastre para a justiça penal do Brasil, visto que perverteu conceitos claros. Cita como exemplo a regra de competência — uma garantia do cidadão de saber quem vai julgá-lo antes do julgamento para que não seja escolhido um juiz por ocasião — para ele foi um princípio violado constantemente pela operação.
Em entrevista à jornalista Roxane Ré, da Rádio USP, o docente aponta como ideia essencial da Justiça, que foi corrompida durante a operação, a questão da imparcialidade de alguns operadores do sistema de Justiça. Por conta de que, na Lava Jato, procuradores e juízes combinavam estratégias para produzir, de maneira voluntária, o resultado do processo. “Tem outros institutos, do ponto de vista jurídico, que foram brutalmente violados. Basta pensar que inventaram a condução coercitiva, que é proibida na lei, mas que autorizou o espetáculo”, diz.
Outra relação apontada está na delação premiada “à brasileira”, na qual obrigavam o condenado a dirigir sua confissão para atender aos interesses da acusação e, após isso, acusavam pessoas sem maiores evidências.
E acrescenta que houve uma reação legislativa, a partir da lei de abuso de autoridade. “O pacote anticrime, um projeto hegemônico do grupo da Lava Jato para tentar colonizar o Direito brasileiro, não só foi derrotado, mas também foi um conteúdo de limitação dessa atividade”, assinalou. Dieter adiciona no leque de discussões que ainda há muito a se fazer, uma vez que o “lavajatismo” ainda é muito forte.
O criminalista ressalta que o Ministério Público precisa de um contrapeso com urgência, a partir da responsabilização pelos processos errôneos ou conduzidos de maneira arbitrária. “Os erros judiciários, pela própria Constituição da República, devem gerar indenizações e responsabilidades”, diz.
De acordo com Stegemann, a dinâmica no Brasil funciona de forma que o Ministério Público, Federal ou Estadual, acusa mesmo sem a certeza da culpabilidade e, ainda que seja demonstrada a inocência do acusado, não resulta nenhum tipo de compensação ou pedido de desculpas. “No atual sistema, em que não há nenhuma forma indenizatória, é muito fácil acusar alguém”, revela.
O docente acentua que a lição aprendida com a operação é que essas “cruzadas messiânicas”, as quais mobilizam o sistema de justiça por meio de atores jurídicos capacitados por autoridades estrangeiras, decidem o destino de um país mais do que as eleições e isso é perigoso para a democracia.
E adiciona que, apesar de a Lava Jato ter uma conclusão geral negativa, ela conseguiu demonstrar que as entidades são autônomas; ou seja, conseguem mobilizar poder sem se curvar às pressões institucionais, e isso pode ser uma virtude. Nesse âmbito, discorre que no caso da operação foi um defeito, pois a autonomia foi invocada em sentido inverso, a fim de pautar a imprensa.
Confira os debates desenvolvidos durante o evento na FDUSP. Reverbere: https://encurtador.com.br/AFJP7
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