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Exclusão na rua dos excluídos


CPI que mira padre Júlio Lancellotti expõe desdobramentos sociais perigosos

 

Artigo, originalmente, publicado no Jornal Folha de S.Paulo

 

Celso Campilongo, diretor da Faculdade de Direito da USP;
Vidal Serrano Nunes Júnior, diretor da Faculdade de Direito da PUC-SP


A recente tentativa de intimidação do padre Júlio Lancellotti veio sob o manto de Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Municipal de São Paulo. Há problemas jurídicos importantes e desdobramentos sociais perigosos na iniciativa. O fato de vereadores terem retirado assinaturas do requerimento e, provavelmente, de a CPI nem vingar, não subtrai relevância à discussão.
O Legislativo goza de poderes de investigação equiparáveis àqueles judiciais. Instauração, processamento e conclusões de inquérito parlamentar submetem-se ao devido trâmite legal e respeito às garantias. É essa a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Não foi o que se viu, até agora, no caso do intimorato padre.
Não é papel de CPIs constranger os investigados. Apesar de nem terem citado o nome e o fato determinado relacionado ao religioso, entrevistas mostraram que era ele o alvo. CPIs podem investigar particulares. Mas, quando o faz, o respeito à pessoa deve ser redobrado. Além disso, o poder de investigação está circunscrito ao mister da Casa legislativa que investiga. Nada disso foi observado. A natureza política de uma CPI não pode acobertar comportamentos arbitrários. Por isso, ela começa a se desfazer antes de instaurada.
Supostamente, a investigação recairia sobre organizações não governamentais que atuam na cracolândia. É sabido que muitas dessas entidades têm vínculos com a Igreja Católica. Doutrina e prática das paróquias de São Paulo dirigem atenção aos pobres e às pessoas em situação de rua. Há que se avaliar em que medida, a pretexto de compreender a real situação dos dependentes químicos da região central, a perseguição ao sacerdote não esbarra em ofensa à liberdade religiosa.
Antes da pandemia, a situação no centro já era dramática. Nos últimos dois anos, apesar dos esforços das autoridades, o estado de coisas se agravou. Poucos se engajam como a igreja e o padre Júlio no combate à violência e ao abandono a que ficaram relegadas essas populações. É paradoxal que aqueles que se alinham aos excluídos sejam vítimas de suas ações. Mereceriam apoio, não hostilidade dos políticos.
Processos de inclusão e exclusão social formam unidade de uma diferença. O ambiente em que realizam suas operações não controla, mas afeta resultados e desdobramentos desses processos. Em contextos marcados pela desigualdade e desconfiança, como ocorre nas ruas de São Paulo, para onde afluem pessoas com problemas familiares, econômicos e de saúde, a exclusão potencializa efeitos "virais". Não ter teto cria obstáculos à empregabilidade, à higiene pessoal e à convivência social: "exclusão viralizada".
Quem, como o padre Júlio Lancellotti, tenta romper círculos de desigualdade e desconfiança, é punido com repugnante exclusão por ousar percorrer a rua dos excluídos! Quando as iniciativas alcançam resultados positivos —"incluem"—, os efeitos não "viralizam" na mesma velocidade da exclusão. Estar incluído na escola ou no mercado de trabalho não significa —pelo acúmulo de desigualdades e temor às estruturas sociais coercitivas—, ter cidadania reconhecida.
Padre Júlio é perseguido por ver o que outros fingem não ver —ou, pior, nem sequer se dão conta de que não veem. As duas faculdades de direito que dirigimos ofereceram prêmios ao religioso e contribuições de seus alunos à ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) 976, que trata dos direitos da população em situação de rua, no STF.

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