Fernando Facury Scaff, Professor Titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP
Para um bom entendedor (ou boa entendedora), meia palavra basta: mesmo em tempos pandêmicos é possível ocorrer algo que nos deixe alegres. Espera-se que dure, mas pode se desmanchar no ar. Há sempre uma esperança.
Iniciamos o ano em busca de vacinas, e também premidos pelas diversas propostas de reforma tributária com trâmite incentivado pelo governo federal, como se a população estivesse vivendo sua vidinha na maior normalidade.
Os desarticulados pacotes tributários que estão no Congresso visam: (a) reformar a tributação sobre o consumo, através de duas PECs (45 e 110 — que buscam criar o IBS) e um PL (3887/20 — para a criação da CBS); (b) reformar a tributação da renda, através do PL (2.337/21). Pelo menos até aqui, esgotados 36 meses de governo Bolsonaro, ainda não foi proposta a recriação da CPMF visando afastar a tributação sobre a folha de salários, a despeito das várias ameaças de o fazer. Em contagem regressiva, faltam 12 meses para este governo encerrar, embora outro período pode lhe ser outorgado nas urnas — a conferir.
É bom que estes projetos não tenham avançado em 2021. Em 2022 espera-se que sejam arquivados e constituída uma comissão para fazer um anteprojeto de lei de reforma financeira federativa, conforme já propus em outra coluna.
A boa nova advém do Projeto de Lei do Senado 4452/21, apresentado pelo senador Ângelo Coronel (PSD-BA), que, com precisão e singeleza, busca alterar a legislação do Imposto de Renda das Pessoas Físicas.
O projeto é objetivo e resolve pelo menos três problemas que torturam o contribuinte todos os dias.
De um lado, corrige a atual tabela do IRPF, de tal modo que nada pagará quem receber até R$ 3.300,00 mensais — hoje esse valor está em R$ 1.903,98. Com isso, os contribuintes de mais baixa renda respirarão melhor, pois pagarão menos tributo.
Por outro lado, extingue a alíquota de 7,5%, ampliando para mais de 19 milhões de pessoas o universo da isenção. As alíquotas que remanescem são as de 15%, 22,5% e 27,5%, sendo que esta será aplicada para quem recebe acima de R$ 5.300,00 por mês (é baixo, mas reflete nosso mercado de emprego e renda).
Existe ainda a "cereja do bolo", que é a criação de uma espécie de gatilho automático para a correção dessa tabela, pois, toda vez que a inflação acumulada chegar a 10% em 12 meses, seu valor será reajustado em igual montante, evitando que o contribuinte pague um perverso imposto inflacionário.
De fato, esta espécie de gatilho já foi utilizada no Brasil no âmbito trabalhista, sendo disparado sempre que a inflação chegava a 20%, reajustando todos os salários — aqui e ali surgia um problema, pois a inflação comia os salários e gerava perdas irreparáveis, caso ocorresse atraso no pagamento ou na aplicação do gatilho.
É muito positiva a ideia de utilizar esse sistema no âmbito tributário a favor do contribuinte, gerando correção automática da tabela e impedindo que eventuais e raros aumentos salariais sejam engolidos pelo imposto de renda.
Não é o caso de renúncia fiscal sem compensação. O artigo 14, §1º da Lei de Responsabilidade Fiscal a exige apenas quando houver tratamento diferenciado, o que não é o caso, pois a proposta é aplicável a todos os contribuintes e não a uma categoria específica.
Como se vê, é um projeto simples e direto, em busca daquilo que a sociedade necessita, que é o alívio da carga tributária — parabéns ao Senador e sua assessoria. Por ser matéria consensual, espera-se que seja aprovado com celeridade e implementado com a agilidade que o nosso bolso requer.
Parodiando o belíssimo livro de Gabriel García Márquez: mesmo "nos tempos do cólera" pode ocorrer uma coisa boa. Espera-se que dure.
Caros leitores e leitoras, espero que em 2022 todos seus desejos se concretizem, por mais inacreditáveis que hoje possam parecer.