Edição: Kaco Bovi
“Abraçados” pelo Hino Nacional, cantado em língua Indígena, do Povo Tikuna, presentes no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP (29/05) assistiram diversas manifestações contra o Projeto de Lei do Marco Temporal de Demarcação de Terras Indígenas (PL 490/07), que deve entrar em votação nesta semana na Câmara dos Deputados. De acordo com os organizadores o projeto viola os direitos constitucionais dos Povos Indígenas, tratados internacionais que o Brasil é signatário. Além disso, afronta o artigo 231 da Constituição, e gera enorme retrocesso ambiental.
Ao abrir os trabalhos, Natan Kuparaka, do Grupo de Estudos Saju-Tuíra, na FDUSP, lembrou que a série de discussões, que vem acontecendo, é muito importante para o movimento indígena, para as mobilizações. “É muito significante para nós, enquanto indígenas, ter um espaço nessa faculdade tão tradicional para falar sobre nossas questões”, disse.
A vice-diretora da SanFran, Ana Elisa Liberatore Bechara, lembrou que pela segunda vez, em pouco tempo, a instituição chama atenção para os problemas enfrentados pelos povos indígenas. O primeiro foi júri da 50ª sessão do Tribunal Permanente dos Povos – Pandemia e Autoritarismo, que condenou o presidente Jair Bolsonaro por crime contra a humanidade e violações aos direitos humanos por atos e omissões cometidos ao longo de sua gestão durante a pandemia de covid-19.
“Os povos indígenas das américas lutam há mais cinco séculos por um único direito: o de existir. Muitos sucumbiram sob a violência colonial. Violência física, estupro, omissão, extermínio, que seguem ocorrendo em pleno século XXI. Sem intervalo, sem vergonha, sem punição”, afirmou.
Em sua fala, citou o artigo 231 de nossa Constituição que reconhece “aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”, acrescentando a afirmação do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, ao tratar da tese do denominado Marco Temporal: “Entender-se que a Constituição solidificou a questão ao eleger um marco temporal objetivo para a atribuição do direito fundamental a grupo étnico significa fechar-lhes uma vez mais a porta para o exercício completo e digno de todos os direitos inerentes à cidadania”.
“Portanto, nos parece que autorizar, à revelia da Constituição, a perda da posse das terras tradicionais por comunidade indígena significa o progressivo etnocídio de sua cultura, negando-lhes o direito à identidade e à diferença, expressão maior do pluralismo político que fundamenta nosso Estado Democrático de Direito. Não há segurança jurídica maior que cumprir a Constituição”, ressaltou a dirigente.
“Contra o projeto genocida”, Natan assinalou a necessidade de dar voz à luta dos povos indígenas, em mesa de abertura composta por ele, pela vice-diretora; por Karai Mirim (UPEI); Marcela Pankararu (Unicamp), e Pedro Pankararé, Liderança do Jaraguá; e, de forma remota, Maurício Terena (APIB).
De Brasília, Terena assinalou que os povos indígenas sofreram um ataque por parte do Congresso Nacional. “Um Ministério que demorou mais de 500 anos para ser criado foi esvaziado em uma canetada pelo Congresso Nacional, retirando a atribuição principal da demarcação dos povos indígenas”, disse.
Acrescentou que as terras indígenas são fundamentais para o equilíbrio e proteção territorial no Brasil. “Além de estarmos compactuando com um genocídio histórico, fazemos quase um suicídio mundial. A vida dos povos indígenas dentro do estado brasileiro nunca foi uma prioridade”, ressaltou. E questionou: “Qual o sentido da Constituição de 88, quando a gente presencia, e parte da população brasileira (passivamente) assiste a esse genocídio que segue em curso?”.
Os participantes realçaram que no dia 24 de maio deste ano a Câmara dos Deputados aprovou o requerimento de urgência para tramitação do PL 490, que institui o Marco temporal. O projeto estabelece que os territórios somente podem comprovar a presença ancestral ou o direito autêntico desses coletivos sobre esse território com a comprovação de estarem em discussão do território ou presentes na promulgação da CF de 88. “Ele fere nosso direito originário, fere a tese do indigenato, o direito originário a esse território”, afirmou.
Neusa Poty (Comissão Guarani Yvyrupá), abriu as falas das Lideranças Indígenas, dentre as quais a Terra Indígena Jaraguá, União Plurinacional dos Estudantes Indígenas, Rede Indígena da USP, Conselho Municipal dos Povos Indígenas, University of Chicago e USP; e demais. Os professores da FDUSP Samuel Rodrigues Barbosa e Orlando Villas Boas Filho também participaram. “A terra não tem preço”, realçou Poty.
“Um projeto com esse teor, simplesmente, institucionaliza uma situação de pilhagem, de rapina”, enfatizou o professor Villas Boas. “Uma apropriação violenta ou fraudulenta de determinados direitos. E é isso que está em curso”, adicionou.
Amanda Medina, diretora do Centro Acadêmico XI de Agosto e cofundadora da Coligação de Coletivos Negros da USP, afirmou que atualmente o CA XI de Agosto tem, em sua maioria, mulheres negras, oriundas de escolas públicas e da política de cotas. “É importante que se diga o quão fundamental é a presença de pessoas negras na luta pela defesa dos povos indígenas. Afinal, temos um elo ancestral de luta pela vida e pelo território. A História Negra e a História Indígena são marcadas pela bruta invasão de seus territórios e sequestros de terras.”
Relembrando parecer da AGU, que afirma que o Marco Temporal, não é a única forma de comprovação da ocupação indígena, acentuou: “Não ao marco temporal, não a PL 490”.
Tamikuã Pataxó, coordenadora da Arpin Sudeste convidou a todos: “Vamos lutar. Para quem acha que indígena vira (indígena) ele não vira, ele nasce”.
Primeiro professor indígena na USP, Danilo Silva Guimaraes defendeu a importância de ampliar o número de pessoas indígenas na USP, em 2024.
Samuel Barbosa ressaltou que o Marco Temporal é inconstitucional e adicionou o significado de a Faculdade ser um espaço ocupado por lideranças para fala tão potente e importante. Citou outras manifestações feitas na luta das lideranças indígenas, desde o Tribunal Tikuna, com o professor Dalmo Dallari. Relembrou que em 2015 foi feito um evento contra o Marco Temporal, ocasião em que o professor José Afonso da Silva leu um parecer jurídico contra o Marco Temporal. “É importante criar mecanismos para a preservação, reprodução e desdobramentos das diferenças”, disse.
Assista à transmissão completa. Compartilhe, reverbere: https://encurtador.com.br/hklPY
#fdusp #direitousp #marcotemporal #povosindigenas