“Há de se explicar e se convencer que, se a anistia de 1977 até 1979, era uma reivindicação justa, a atual não é”
O debate sobre a anistia às pessoas bolsonaristas que atacaram os Prédios dos Três Poderes em 08 de janeiro de 2023, inconformados pelo resultado das eleições, foi um dos painéis da Semana de Recepção às Calouras e aos Calouros da Faculdade de Direito da USP. A mesa foi formada pela presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, Julia Wong; os professores Marcos Perez (FDUSP e orientador do LabGov) e Pedro Dallari (Diretor do Instituto de Relações Internacionais); e o advogado Bruno Salles, coordenador do Grupo Prerrogativas.
Para Wong, que abriu os trabalhos, o ponto de vista estudantil é importante porque parte de uma perspectiva da sociedade civil sobre o tema. “É uma perspectiva ainda muito jovem, porque é uma perspectiva que (dentro da juventude) tende a ser mais radical e isso não se difere do que a sociedade civil clama, porque hoje o que vemos é uma sociedade que, embora polarizada na parte que não é da extrema direita, se mobiliza e apoia a punição aos golpistas. E é isso que o governo, politicamente, precisa ter a firmeza de defender. E é isso que os estudantes dentro do movimento estudantil têm encampado.
De acordo com ela, só é possível impedir novos atos golpistas por meio de uma campanha de verdade. Nisso, a Federação Nacional dos Estudantes de Direito, em conjunto com o Centro Acadêmico XI de Agosto, tem encampado sobre o lema ‘memória, verdade e justiça, reparação e democracia’, porque, além das primeiras palavras, as duas são tão importantes. A dirigente relembrou a história da faculdade que, segundo ela, tem figuras muito contraditórias. E citou os professores Luís da Gama e Silva e Alfredo Buzaid, “que muito violentou os alunos, e ambos foram responsáveis pelo AI-5”.
Perez abriu sua fala agradecendo o convite feito ao LabGov e explicou um pouco do funcionamento do grupo de cultura e extensão, que tem como perspectiva o estudo do direito público. “(o grupo) Tem um impacto importante na sociedade brasileira”, disse. O docente ressaltou ainda que o tema da anistia está em debate no Brasil em dois flancos. Em primeiro a atuação que tem tido o ministro Flávio Dino no Supremo Tribunal Federal sobre a imprescritibilidade de crimes cometidos. E todo o resgate histórico que isso representa.
“O que importa é o resgate da verdade histórica, nos reconciliarmos enquanto nação. O fato dessa memória não existir de modo claro na cabeça das pessoas faz com que muitas pessoas adiram as ideias da extrema direita, as ideias do fascismo, ao estado autoritário, fazem a fazer símbolos nazistas. Isso é negativo, perigoso, mas deriva de um desconhecimento do passado da humanidade”.”
Ele lembrou que na Constituição de 1988, todo o processo que desembocou na redemocratização do País representa um casamento do Brasil com ideais, com valores que nasceram no pós-guerra. “Nasceram após a Segunda Grande Guerra Mundial, nasceram com a criação das Nações Unidas, e todo o arcabouço que ela trouxe para a preservação dos direitos humanos”, disse. “Não podemos voltar a um estado que desaparece com as pessoas, que mata as pessoas”, assinalou. Acrescentou que a Constituição de 88 tem como um dos valores principais do Estado de Direito é a dignidade da pessoa humana. Alguém que vive em condições indignas sabe o que é indignidade.
Pedro Dallari contou um pouco de sua passagem pela FDUSP (onde foi aluno e professor) até chegar ao IRI. Sobre o tema, o docente ressaltou que o argumento de que anistia é um mecanismo de pacificação de unificação de tranquilização da sociedade brasileira dialoga um pouco com a ideia de cordialidade, de concessão que fica associada ao senso comum. “Não pode ser um debate travado apenas pela lógica da polarização porque isso fortalece a ideia de que, se houve anistia para um lado, tem de haver para o outro. Há de se explicar e se convencer que, se a anistia de 1977 até 1979, era uma reivindicação justa, a atual não é”.
Conforme explicou, à época, havia uma razão para a anistia que era a ditadura. Ela se impunha porque o julgamento daqueles que foram julgados tinha sido feito a partir de uma legislação de exceção, que tinha como pedra angular o ato institucional número 5. “A proibição do HC, sem falar que os processos eram conduzidos a maior parte na justiça Militar, num contexto que as estruturas militares torturavam e matavam. Portanto, não se estava diante de um estado de direito que pudesse garantir julgamento justo. Isso sem falar daqueles que sequer tiveram direito a um julgamento injusto, já que foram presos e desapareceram”.’ Portanto, acredita, a anistia naquele momento respondia a uma realidade social e política que se tornou irreversível. “Quando, em 79, foi aprovada a lei de anistia, se deu num contexto de inevitabilidade. Foi uma reivindicação social, política e geral da sociedade brasileira”.”
Por sua vez, Bruno Salles trouxe um pouco da história que marcaram a repressão e a anistia, citando exemplos antigos como a medida tomada em 1836 pela regência trina, até chegar ao debate atual. Em sua fala, apontou vários fatos que ocorreram, desde o início, para evitar que as eleições de 2022, destacando os pontos que foram colocados no material de denúncia na Procuradoria-Geral da República. “Nós temos isso muito claro, de que houve uma tentativa de golpe de estado e de abolição do estado democrático de direito. E, aqui, há uma distinção: eu posso tentar dar um golpe de estado e manter a estrutura. Uma outra coisa é abolir o Estado de Direito como um todo. E a gente tinha isso naquele plano, porque o que se colocaria em primeiro lugar era uma junta militar. Com a deposição até de ministro do STF e sabe-se lá mais o quê”, afirmou. “A gente só viu a minuta do golpe enxuta. A gente não viu a completa. Mas quando a gente faz essa análise do fato de que não faria sentido uma anistia nesse momento”, adicionou. Adiante, citou algumas questões que não caberia anistia.
Assista à transmissão completa. Reverbere: https://www.youtube.com/watch?v=Xbz5uSv1ozY&t=64s
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