Evento reuniu os professores Joshua A. Douglas, Flavio Yarshell, Alexandre de Moraes, Floriano de Azevedo Marques Neto, e a jurista Fernanda Fernandez Jankov
Edição: Kaco Bovi
Apresentações das principais afrontas à democracia e o que pode ser feito para coibir mentiras e desvios de condutas nos pleitos eleitorais foram traçados durante o seminário “Desinformação, eleições e democracia: um diálogo EUA-Brasil”, no Auditório Ruy Barbosa Nogueira da Faculdade de Direito da USP. Tendo como convidado o professor Joshua A. Douglas, da Universidade do Kentucky (EUA), a mesa foi presidida pelo docente da FDUSP Flávio Yarshell, com exposições da jurista Fernanda Fernandez Jankov, antiga aluna da FDUSP, e os professores da SanFran de ministros Alexandre de Moraes (STF) e Floriano de Azevedo Marques Neto (TSE).
Joshua traçou um panorama das ofensivas cometidas pelo presidente eleito nos EUA, Donald Trump, principalmente no mau uso das mídias sociais. Dentre os quais relatou as postagens enganosas do então candidato disseminando notícias falsas.
De acordo com ele, é perigoso os candidatos ouvirem do presidente que podem explorar a questão para seu próprio ganho. “Isso é obviamente muito preocupante e precisamos ter algum tipo de resposta. Parcialmente, a Suprema Corte dos EUA, que decidiu que o ideal da liberdade de expressão é extremamente robusto e que a resposta à desinformação é mais discurso e não podemos punir o discurso em si. Você só pode fornecer mais discurso e a verdade em teoria será determinada pelo mercado de ideias”, disse. “Há tanta desinformação por aí que é difícil para as pessoas determinarem o que é realmente verdade e o que é falso”, acrescentou.
“Vimos nos Estados Unidos que os tribunais não vão invalidar um candidato de concorrer a um cargo com base em desinformação. Que este é um problema político e cabe aos poderes políticos resolver. Bem, o Senado dos EUA falhou em resolver o problema em 2021, depois que Donald Trump foi acusado pela Câmara dos EUA, mas não foi condenado no Senado. Essa poderia ter sido a solução política”, salientou. De acordo com ele, é preciso garantir que a mídia possa permanecer um mecanismo independente e confiável de informação.
Fernanda Fernandez apresentou alguns sistemas, com o dever de fornecer procedimentos acessíveis, para reafirmar esse entendimento, reforçando o papel adjudicativo das plataformas, embora esse papel não seja explicitamente reconhecido como jurisdição plena em sua própria natureza. Citando como exemplo o modelo baseado em sistema no Canadá, ressaltou que “observamos uma mudança das estratégias convencionais de remoção de conteúdo para um modelo de avaliação
Para ela, é preciso lembrar que estamos lidando com a inteligência artificial de algoritmos, que lamentavelmente está se trabalhando com um sistema que caminha dentro de variáveis que são desconhecidas aos seres humanos. “Realmente, acredito que as realidades virtual e real devem ser colocados no mesmo nível, porque seres humanos trabalham com a realidade real”.”
Azevedo Marques fez uma abordagem voltada para o que ocorreu Brasil. “Vou compreender desinformação como algo um pouco mais profundo que o fenômeno das fake News”, disse, observando ser um grande desafio. Para ele, como exemplo é preciso lembrar que alguém só podia se habilitar numa eleição passando por uma série de filtros internos aos partidos. “Tanto no caso brasileiro com o presidente Bolsonaro (em 2018), que se elegeu à margem de uma estrutura partidária, robusta, como o caso dos Estados Unidos com o presidente Trump, que em curto período desestruturou as hierarquias do Partido Republicano, se tornou hegemônico”, afirmou.
O docente elencou a democracia como um regime em que há regras do jogo que são claras e as quais se aderem e que deve haver a alternância de poder. “Esse desafio à democracia que se torna possível”, disse. Floriano destacou que há uma desqualificação sistemática das regras do jogo, tanto no discurso do bolsonarismo no Brasil como no discurso do presidente Trump, como discurso de Javier Milei (Argentina). “Em todos esses fenômenos você tem uma desqualificação da regra do jogo. Talvez o principal artifício retórico seja a construção de um inimigo, de uma antítese que é nomeada como sistema ou elites”, adicionou.
O docente destacou a necessidade de desenvolver mecanismos para vencer a resistência à regulação das mídias sociais sem violar o direito de expressão. E falou da Primeira Emenda dos EUA que foi construída quando os veículos do direito de se expressar eram basicamente os jornais impressos. “E nunca se disse que um jornal nunca seria responsabilizaria por uma emissão de manifestação de pensamento que fosse criminosa e que citasse a consequências delituosas”.”
Na mesma direção, o professor Alexandre de Moraes defendeu a urgente necessidade de regulamentação das mídias eletrônicas, especialmente para pôr fim no uso da desinformação nas eleições. Defendeu o sistema eleitoral, reforçou integridade das urnas eletrônicas. Citou a alternância de poder nos EUA, dos presidentes eleitos John Kennedy e Richard Nixon.
O ministro acrescentou que compete a ramos administrativos em alguns países e no Brasil se resolveu com a justiça eleitoral. “É preciso garantir que seja respeitada nas eleições a vontade do eleitor. Desde a criação da justiça eleitoral em 1932, até a necessidade de regulamentação das big techs no campo eleitoral, tudo diz respeito a uma única coisa: respeito à vontade livre e consciente do eleitor”.”
Lembrou do tempo em que não havia controle, período que até “os mortos votavam”. Conforme relatou a Justiça Eleitoral no Brasil foi aperfeiçoando até chegar a urna eletrônica. E, agora, a urna eletrônica com biometria, com a digital para evitar que um vote pelo outro. “Tenho muito orgulho em dizer, porque é um orgulho nacional, que o Brasil é o único país do mundo que, com quase 156 milhões de eleitores que votaram agora nas últimas eleições de 2024, que o pleito eleitoral começa e termina na mesma hora, sem que nunca uma fraude tenha sido apurada”, afirmou.
Moraes destacou que a liberdade da imprensa tem um papel fundamental e que a mídia tradicional não pode perder sua credibilidade por conta das redes sociais. “Todos aqueles que acreditam no fortalecimento da democracia, têm de acreditar no fortalecimento da imprensa tradicional. Isso é um desafio realmente que nós temos de auxiliar, porque rádios e principalmente jornais e revistas, hoje têm pouquíssima influência e são aqueles que preparam as notícias, que trazem a informação”.”
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