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"É preciso substituir a economia de conhecimento para poucos, por uma economia de conhecimento para muitos", diz Mangabeira Unger

Docente na Universidade Harvard participou que reuniu especialistas no debate sobre o desenvolvimento brasileiro e mundial

 

Edição: Kaco Bovi

Em duas palestras na Faculdade de Direito da USP, o filósofo Roberto Mangabeira Unger, professor da Universidade Harvard, falou da economia do conhecimento e das encruzilhadas econômicas e no Direito. Em mesa composta pelo diretor da FDUSP, Celso Campilongo, pelo professor Lucas Amato (FDUSP), por Silvio Crestana, pesquisador e ex-presidente da Embrapa, Ladislau Dowbor, professor de economia da PUC-SP; João Amato Neto, docente na Engenharia da USP. na primeira exposição, Mangabeira assinalou que a maioria da população brasileira está desempregada, desalentada ou está no setor informal precário da economia. Num segundo momento tratou dos anseios de China e Estados Unidos, especialmente no avanço do Produto Interno do país asiático, ultrapassando os estadunidenses nos últimos anos.

Sobre o Brasil tratou como algo desastroso quando comparados os avanços entre os dois países. “Pensar que há 60, 70 anos o PIB do Brasil era maior que o da China. Hoje o PIB do Brasil é uma porção ínfima se comparado à China. Como é que aconteceu esse desastre, e como é que nós pudemos reverter isso? Veja que isso não é uma pregação contra a agricultura, não é a ideia de que a indústria seja superior à agricultura”, disse. E acrescentou que a agricultura é um dos setores em que a economia do conhecimento deveria se implantar em primeiro lugar.

“Eu queria tomar uma forma singular e distinta em cada uma das grandes regiões do país, porque, como discutimos pela manhã, estratégia nacional de desenvolvimento só ganha realidade na medida em que se traduz em estratégias para cada uma das grandes regiões. Nós temos diferentes países dentro do Brasil. Como é que vai ter uma estratégia para a Amazônia semelhante à estratégia que tem para o Brasil Central ou para o Nordeste?”, questionou

Mangabeira também apoiou sua fala em Karl Marx e Adam Smith: “Ambos entenderam que a melhor maneira de compreender a economia é estudar a forma mais avançada de produção na sua época. Porque eles pensavam que a forma mais avançada da produção é a forma que revela mais completamente o nosso potencial”. Para ele, é estranho que o Brasil seja um dos poucos países no mundo onde o Estado tem muitos instrumentos que seriam necessários para o desenvolvimento, mas não tem o projeto.

“O Estado brasileiro tem a Embrapa, tem o Senac, o Sebrae, os bancos públicos de desenvolvimento, tem muitos instrumentos eficazes, mas não tem o projeto. Esses instrumentos são o legado carcomido e pervertido hoje da política e industrialização de Getúlio Vargas”, acrescentou.

O especialista relatou ainda o problema universal vivido nos grandes países populosos do mundo, como o Brasil, a China, a Índia, em que a maioria das pessoas são pobres e desorganizadas, mas são o horizonte de aspiração, de anseio. “O que quer a maioria dos homens e das mulheres no mundo? Até uma pequena fazenda, um comércio, uma lojinha, é poder cobrar por um serviço técnico que preste. Na falta de outra maneira de realizar esse anseio de modesta prosperidade e independência, descamba para a ideia da propriedade familiar, isolada e arcaica, porque é o que sobra”, assinala. “Então, para que haja esse novo projeto brasileiro de desenvolvimento, e para que nós possamos começar a substituir a economia de conhecimento para poucos, por uma economia de conhecimento para muitos, é preciso ganhar essa base e oferecer formas alternativas de realizar aquele anseio”, acrescentou.

Ao agradecer a presença dos participantes, Celso Campilongo aproveitou para fazer um convite à Mangabeira. “Nas próximas vezes que estiver no Brasil, poderia oferecer um curso compacto na Pós-Graduação da Faculdade, se tiver um tempo de ficar 15, 20 dias no Brasil, duas, três semanas”. “Sempre é um motivo de enorme orgulho receber sua visita”, disse.

Por sua vez, Ladislau Dowbor assinalou alguns desafios centrais no mundo e no Brasil. “Hoje estou aposentado pela ONU, trabalhei em muitos países, trabalhei sete anos na África e em outros lugares difíceis onde a pobreza era um negócio inevitável. Eu vi gente morrer de cólera”. Aproveito ainda para tratar do PIB de outros de diversos outros países, observado as discrepâncias existentes. “O que a gente produz, no Brasil e no Mundo, dá para todo mundo viver de maneira digna e confortável”, afirmou.

Ao comentar o livro de Mangabeira, João Amato Neto destacou que a publicação diz que o economista costuma dar mais atenção aos hedges funds do que à fábrica. “A fábrica que, do ponto de vista do lado real da economia, é onde se produz bens e serviços que a sociedade, a gente, consome. A produção material, principalmente do ponto de vista da manufatura, acontece na fábrica”, disse.

Lucas Amato asseverou que o Brasil vive um momento de crise estrutural. “A década de 2011 a 2020 foi a pior década da história da economia brasileira nos últimos 120 anos. A indústria, então, está diminuindo sua presença na economia brasileira, a agricultura brasileira é o setor mais competitivo, mas ao mesmo tempo não é capaz de gerar empregos na quantidade demandada para absorver toda essa população e uma parte crescente da população”.”

 

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