Professor Sénior da Faculdade de Direito da USP, Watanabe é entrevistado pelo docente Carlos Alberto Salles, no Projeto Memórias
Principal incentivador do processo de mediação e conciliação no Judiciário, um dos autores do anteprojeto do Código de Direito do Consumidor, referência nos temas sobre processo coletivo, políticas públicas, controle jurisdicional, solução de conflitos e código de proteção e defesa do consumidor, o professor sênior Kazuo Watanabe, da Faculdade de Direito da USP, conta um pouco dessa história no Projeto Memórias, organizado pela FDUSP e pela Fundação Arcadas.
Na entrevista conduzida pelo professor Carlos Alberto Salles, Direito Processual da SanFran, Watanabe fala da trajetória familiar e início profissional; do juizado de pequenas causas e o Código de Defesa do Consumidor; bem como medição e o Código de Processo Civil. Tudo recheado com um olhar para o futuro.
A infância, desde a conclusão do primário, na década de 1940, na cidade de Bastos, onde os pais trabalhavam, ao curso secundário, a opção por fazer contabilidade até a chegada na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, estiveram em debate no primeiro bloco.
“Eu lia muito, principalmente biografias. E esse literato da fase imperial, pós-criação da Faculdade de Direito, a influência das leituras que tive, naquela época, de alguma forma ligado a única faculdade que existia, me induziram a fazer Direito”, disse. Estudante, chegou a ser do Jurídico XI de Agosto. Profissional, foi para magistratura, onde chegou ao cargo de desembargador.
Ao falar sobre litigiosidade contínua e o caminho para a criação do projeto Lei do Juizado de Pequenas Causas, no início da década de 1980, Watanabe explicou a importância de orientar e informar aos cidadãos sobre seus direitos. “A grande maioria da população não sabia que tinha seus direitos violados. Eles não entendiam as leis, muitas vezes, que são muito complexas. A ideia era: para o cidadão ter acesso à Justiça ele precisava saber dos seus direitos”, disse. Em seguida citou os passos dados para a Lei de 1984 e as demais que vieram.
Ressaltou a importância do juizado informal de conciliação, implantado em São Paulo. “Nos primeiros meses, o índice de acordo era de 80%, 90%, mas eram questões bastante simples. E, mesmo naqueles casos sem acordo imediato, as partes saíam satisfeitas. Diziam: ‘eu fui ouvido’. Havia uma satisfação popular muito grande”, informou.
Sobre o novo CPC, relatou que foi conhecer o sistema de conciliação nos EUA, com um grupo de juristas brasileiros. De acordo com Watanabe, os juízes americanos davam como interpretação o gerenciamento não do processo, mas do conflito. “Isso fazia com que os juízes americanos estimulassem muito as soluções por ADRs. E o índice de acordo e solução pelo júri era inferior a 5%”, disse. e acrescentou: “Criamos um grupo de estudos e montamos um projeto dividido para comarcas de movimento pequeno, médios e grandes. Pegamos e levamos ao tribunal e foi feito o piloto em Serra Negra e Patrocínio Paulista. Foi um sucesso”. De acordo com ele, foram muitos os processos consensuais e o tribunal editou procedimento autorizando as comarcas a adotarem essas soluções consensuais.
Sobre o Código de Processo Civil vigente, diz que o Estado, na medida do possível, deve solucionar os conflitos de modo amigável. Assinalou que trouxe para o CPC o que a Constituição já afirmava. “É uma norma extremamente importante. Isso significa que o juiz tem de atuar antes do processo”.
Watanabe explicou que está atuando na tentativa de formar uma cultura da mediação, uma cultura da solução consensual, que pode ser negociação, mediação, conciliação etc.. Relatou que uma das grandes críticas ao processo está na imprevisibilidade.
Para Watanabe, na mediação e nas soluções consensuais (como as próprias partes decidem) existe uma solução mais previsível para se tomar o caminho mais amigável entre todos. “Aceita se quiser, caso contrário, não aceita. Tem toda essa virtude”.”
Para realizar seu projeto, o docente ressaltou que está realizando na Faculdade vários encontros, cuja ideia é tentar mudar a percepção da sociedade para que a solução consensual é a que tem de prevalecer. Advertiu a enorme quantidade de processos no Judiciário, atualmente com mais de 80 milhões. Lembrou que saiu medida no CNJ, sobre execuções fiscais, com base em julgamento relatado pela ministra Cármen Lúcia.
Tratou o acesso à consensualidade como possibilidade de exercer a cidadania. Para ele, muita coisa que ocorre na vida de um cidadão não é necessariamente um conflito com a outra parte. E citou como exemplo a falta de uma documentação, que prejudica o acesso à justiça e de uma ordem jurídica justa. “Todas as instituições que trabalham com a percepção de ajudar a pessoa a atingir o exercício da cidadania plenamente reforça a parte do sistema de justiça. O acesso à ordem jurídica justa traz essa ampliação do sistema de justiça”, avalia.
Edição: Kaco Bovi
Confira entrevista completa. Reverbere: https://youtu.be/IwyztDySvxY?si=rxoY8Sx8ubZZJoIb
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Projeto Memórias
O Projeto Memórias foi concebido em 2024 como uma parceria entre a Faculdade de Direito da USP e a Fundação Arcadas visando a preservar visualmente a história da Instituição por meio do depoimento de seus professores sêniores, que ajudaram no passado recente a alicerçar seu destaque no cenário jurídico-acadêmico, o que ocorre ao longo de quase dois séculos. O Projeto buscou também preservar certo grau de intergeracionalidade por intermédio dos entrevistadores, predominantemente docentes que hoje se encontram em plena atividade acadêmica.
O foco é conhecer melhor a relação de cada um desses docentes com a Faculdade, seja enquanto aluno, caso tenha sido, seja como professor de destaque dos cursos de Graduação e Pós-Graduação ministrados, e como gestor da Instituição, se isso tiver ocorrido. Por meio de seu depoimento busca-se identificar como era o ambiente acadêmico de sua época de aluno ou de docente, seus relacionamentos com os demais componentes da Faculdade, alunos, servidores e demais professores, e as relações pessoais daí decorrentes.
Os depoimentos dos docentes permitirão que a sociedade conheça um pouco mais da história recente desta Faculdade, que possui o destaque ímpar de ter tido dentre seus alunos 13 presidentes da República, o que é um legado à história brasileira. Além disso, muitas das teorias jurídicas disseminadas no Brasil tiveram sua gênese nesta vetusta Academia, várias delas criadas ou veiculadas pelos docentes que fazem parte do Projeto.
Por meio desta iniciativa, a Diretoria da Faculdade de Direito e a Diretoria da Fundação Arcadas buscam recuperar e preservar parte da recente memória jurídico-acadêmica nacional.
Diretoria da FDUSP
Celso Campilongo
Ana Elisa Bechara
Diretor-Executivo da Fundação Arcadas
Fernando Facury Scaff